28/03/2013

21/03/2013

Prańipátena, Pariprashnena e Sevayá

Shrii Shrii Anandamurti
25 de julho de 1980
Udaipur, Índia

Sevá

A própria existência dos seres humanos é uma existência tríplice. O corpo de vocês, que consiste dos cinco fatores primordiais [1], é uma camada. A mente de vocês, que pode ser chamada de ser ectoplásmico de vocês, é outra camada. E então há a alma de vocês – que também é outra camada. Assim, o que quer que vocês venham a expressar estará circunscrito a esses três níveis.
       
 Agora, vamos olhar a estrutura física ou organismo de um ser humano.
 O corpo humano é uma máquina.[2] Esse organismo consiste de ossos, carne, glândulas e veias.[3] O corpo humano é realmente uma grande máquina que consiste na combinação desses elementos.

Então, trata-se de uma máquina muito boa – uma máquina de primeira categoria. O corpo humano é uma máquina classe A. Vocês não conseguirão encontrar nenhuma outra máquina como essa no mundo. A habilidade artística sutil revelada nessa máquina é algo único.

Vamos assumir que essa máquina é notável. Mas se nós não a operarmos, ou se óleo e eletricidade não forem fornecidas a ela, então qual será o resultado final? A máquina vai ficar inutilizável; ela irá enferrujar. Similarmente, se alguém dotado com um corpo humano não utilizá-lo apropriadamente, mas desperdiçar o seu tempo comendo e dormindo, então qual será o resultado final? O corpo irá enferrujar. E quando uma máquina enferruja, surgem muitos tipos de doenças.

Além disso, existe outro ponto.  O corpo mecânico, com sua natureza quinquelementar, – esse corpo físico composto dos cinco elementos rudimentares – contém um certo número de veias e artérias, células nervosas e fibras nervosas, o cérebro etc. Ainda que esses [elementos] sejam densos, no mundo sutil eles estão relacionados com a mente. O que quer que a mente sinta ou expresse, tudo é realizado pelos nervos. Todos esses nervos, por sua vez, são controlados pelas glândulas mestras, subglândulas, células nervosas e pelo cérebro. Isso, entretanto, não é tudo. Todos os vrttis [propensões] da mente humana (cinquenta propensões primárias e mil propensões secundárias [4]] dependem, em suas atividades, da capacidade do corpo. Os braços e pernas precisam fazer trabalho; todas as partes do corpo devem ser utilizadas adequadamente; vocês deveriam realizar trabalho com elas, trabalho duro – isso é uma necessidade. Do contrário, a secreção hormonal das glândulas e subglândulas [endócrinas] ficará prejudicada.  E a hiperatividade ou hipoatividade das propensões são causadas pela secreção hormonal. Na verdade, se a secreção não for apropriada, se ela for excessiva ou escassa, poderá haver uma reação adversa no corpo e na mente humanos. É por isso que vocês deveriam ficar atentos em cuidar para manter o corpo de vocês preparado para trabalho duro. Vocês terão de realizar trabalho com a máquina corpórea de vocês. Essa máquina deveria ser sempre mantida em perfeitas condições de funcionamento.

Nós obtivemos essa estrutura física [humana] para trabalhar, não para o descanso ininterrupto. Mas assim como se deve deixar uma máquina descansar depois de um dia de trabalho duro, também o corpo humano, quando fica exausto após um dia de trabalho duro, precisa descansar para recompôr-se e recomeçar de novo com energia renovada. É apenas por essa razão que o organismo humano precisa de descanso: não para um tempo livre prolongado, mas para que depois se possa de novo trabalhar duro. Além disso, deveria-se manter em mente que as partes mais sutis deste corpo com o qual trabalhamos – tais como as células nervosas, as glândulas e as secreções hormonais –, ainda que sejam densas, estão relacionadas ao sutil.

A mente também está intimamente ligada com essas partes. Portanto, aqueles que dizem que não há necessidade de se fazer trabalho físico e defendem que se faça apenas meditação espiritual, adorações etc. não estão certos. O que acontecerá se o corpo físico não for devidamente utilizado? O corpo irá quebrar; e por conseguinte a mente também será afetada de forma negativa. Agora há pouco eu disse que às vezes as glândulas [endócrinas] não são adequadamente exercitadas e que a secreção hormonal das glândulas e subglândulas [endócrinas] não é correta; nesse caso, que medidas deveríamos tomar?

Bem, nós vamos ter que trabalhar. As pessoas deveriam dedicar-se ao karma yoga[5]
Por que é que se chama isso de karma yoga?

Façam com que as suas mentes fiquem saudáveis através do trabalho físico. Se vocês direcionarem a mente de vocês para Paramátmá [a Alma Suprema], ela se unificará com Paramátmá. É por isso que se denomina de karma yoga.[6] Com relação a isso as escrituras dizem: Sevayá.

Prańipátena pariprashnena sevayá.[7] Os seres humanos têm que se mover em frente sem parar. Foi indicado que a existência humana é tridimensional ou tridirecional. Por exemplo, um fazendeiro ara a terra – ele faz isso com o corpo físico denso dele. Ou, de novo, um ferreiro bate com um martelo – isso também é trabalho físico. Mas esses tipos de trabalho físico não são parte da dharma sádhaná [prática espiritual]. Somente aquele tipo particular de trabalho físico que é realizado como parte das atividades espirituais pode ser considerado como sevá – quer dizer, satisfazer Parama Puruśa [a Consciência Suprema] usando seu corpo físico para realizar serviço social.

O serviço social é possível de várias formas. Educar, dar assistência à saúde, alimentar os pobres etc. – o serviço pelo bem-estar da sociedade pode ser feito, e é feito, de todas essas formas. Utilizem o seu corpo em tais trabalhos; utilizem a sua mente; utilizem seu corpo e a sua mente ao máximo. Isto é chamado de sevá; isto é chamado de karma yoga. Atualmente temos carência desse tipo de karma yoga. Mas qual é exatamente o benefício do karma yoga? Ele irá nutrir aquela parte da sua mente que está conectada com o seu corpo. Existe um benefício duplo no karma yoga: de que desse modo não somente se presta serviço social ao mundo, mas também o seu desenvolvimento individual é promovido.

Pariprashna

A mente humana nunca pára ou fica estática. Ela sempre está envolvida em pensar numa coisa ou noutra; não é possível esvaziar a mente completamente.Sarvacintá parityágo nishcinto yoga ucyate [“Quando a mente fica completamente livre de pensamentos, quando a mente fica completamente sem pensamentos, esse estado mental é chamado de yoga”] – do ponto de vista da psicologia aplicada, essa idéia é defeituosa. A mente tem de ter ao menos algum conteúdo; sempre tem de haver uma contra-parte objetiva da mente. Então, se uma pessoa não tem a oportunidade de entrar em contato com o mundo sutil, a sua mente naturalmente irá se voltar para o mundo quinquelementar, o mundo material. Pensamentos relacionados ao mundo quinquelementar, entretanto, nem sempre são sutis ou nobres. Nesse caso, o que deveríamos fazer? Motivados por um auto-interesse medíocre, nós nos envolveremos em atividades indesejáveis, e como consequência teremos de passar por uma decadência. Por esse motivo, nossas mentes têm que ser supridas com algum pabulum [8] sutil.

Então, o que as pessoas deveriam fazer? Elas têm que se mover adiante no caminho da síntese, ao invés de no da análise. A fonte do progresso mental não está no esforço de dividir o uno em muitos, e sim em unificar muitos em um. Esse empreendimento, essa abordagem sintética, essa perspectiva integral, é chamada depariprashna nas escrituras.

Prashnas [perguntas] são de dois tipos.

Um tipo é fazer uma pergunta simplesmente para saber. Mas qual é o benefício de simplesmente perguntar para saber? Depois de muito trabalho e pesquisa, vocês ficaram sabendo que neste distrito de Udaipur existe um tal número de formigas. Mas, no fim das contas, como é que esse conhecimento pode beneficiar vocês? Existe algum benefício? Não, não existe nenhum benefício. Qual é a utilidade de as pessoas saberem o número de formigas em Udaipur? Mas, tendo utilidade ou não, certamente isso exigiu um bocado de trabalho.

Isso, entretanto, não é pariprashna. Perguntar “Quantas formigas existem em Udaipur?” apenas para saber não pode ser chamado de pariprashna. Por outro lado, se você disser: “Minha mente está muito agitada; por muito tempo eu quis praticar meditação e concentração, mas não consegui; qual é a técnica certa?” – isto épariprashna. Assim que você conseguir uma resposta a essa pergunta, você começará a trabalhar de acordo.

A Deusa do Sono

Agora que eu vejo que alguns de vocês estão ficando com sono, eu me lembro de uma história. É uma história mitológica. Ela conta que enquanto Rama e Laksmana estavam vivendo exilados na floresta, o dever de Laksmana era ficar todo o tempo vigiando – o que se chama de “dever de segurança”. Mas um dia ele foi vencido pelo sono e seus olhos se fecharam. Ele ficou furioso e, agarrando seu arco, lançou um ataque contra a deusa do sono. Ao recuar, a deusa do sono perguntou a Laksmana: “Que tipo de herói é você, apontando as suas flechas contra uma mulher indefesa? Isso vai te dar mais prestígio? Que vergonha!”

Laksman respondeu: “Eu estou há catorze anos em exílio aqui na floresta e o dever de segurança é a minha tarefa sagrada. Como é que eu posso ficar sonolento? Você pode voltar daqui a catorze anos.”

Por então a deusa do sono concordou, dizendo: “Está bem, que assim seja.”

Por fim o período de exílio de Rama e Laksmana acabou. Eles voltaram para Ayodhya. A cerimônia de coroação de Rama estava em andamento e Laksmana estava de pé ao lado de Rama, com a maior das devoções, abanando-o com um cámara [leque cerimonial]. Então, como os catorze anos estipulados chegaram ao fim, a deusa do sono novamente fez a sua aparição; e as pálpebras de Laksmana se fecharam de sono. Todas as pessoas presentes começaram a rir com essa cena. Visivelmente irritado, Laksmana bradou: “Ó deusa do sono! Você veio justo agora! Você não tem bom senso! A cerimônia de coroação de Ramchandra está acontecendo e eu fiquei confiado com uma tarefa especial – você não consegue ver isso?”

A deusa do sono argumentou: “Você mesmo me disse para vir depois de catorze anos.”

“Mas não agora”, protestou Laksmana.

 Entretanto, a deusa do sono continuou insistindo: “Mas eu agora eu vim com toda minha energia. Onde é que eu posso ir agora?”

 Laksmana respondeu: “Veja se você não consegue encontrar alguma pessoa pecadora que está assistindo algum discurso religioso, então vá e sente-se nas pálpebras dessa pessoa.”

De qualquer modo, no decorrer da nossa discussão sobre pariprashna, eu estava contando a vocês sobre técnicas de meditação e concentração, e como se pode fazer progresso nas práticas espirituais; essas perguntas não são perguntas sem sentido. As pessoas entram em ação de acordo com as respostas que elas encontram para essas perguntas. Isso explica por que pariprashna é uma necessidade. Ela é necessária para o desenvolvimento mental e para o progresso mental.

Prańipáta

E qual é a terceira coisa? Prańipátena pariprashnena sevayáPariprashna, como eu disse, é basicamente uma cultura intelectual. Assim como karma yoga é necessário para a saúde – como eu expliquei –, jiṋána yoga [9] é necessário para a realização intelectual.

Pariprashna irá melhorar a nossa cultura intelectual. Mas que tipo de conhecimento será cultivado assim? Será o tipo de conhecimento que irá ajudar vocês a avançarem no caminho do progresso. Esse conhecimento não é um conhecimento árido e seco – é um conhecimento prático. Através de pariprashna vocês gradualmente conseguirão enriquecer [seu estoque d]esse conhecimento. Vocês estão se movendo em direção a Paramátmá, movendo-se continuamente; a mente de vocês está ficando cada vez mais sutil; mas está faltando a concentração mental necessária para o progresso. É verdade que vocês estão se movendo para cada vez mais perto de Paramátmá; mas se não houver amor profundo e devoção por Paramátmá, como é que vocês conseguirão superar completamente a distância? Vocês terão de ficar a uma certa distância Dele, ou terão de interromper a jornada de vocês. Nessa situação, o que vocês deveriam fazer? A mente já ficou concentrada em certa medida através de pariprashna; agora vocês terão de fazer com que essa mente concentrada mova-se em frente até o destino final, atéParama Puruśa.

E qual é o melhor método de fazer com que a mente se mova em direção a Parama Puruśa?

O melhor método é a entrega completa a Ele [10]. Portanto, entreguem-se completamente com todas as suas capacidades e propensões perante o Ser Supremo; ofereçam o seu eu inteiro a Ele. Isto é prańipáta.

Pra – ni – pat + ghaiṋ = prańipátaPrańipáta significa oferecer-se aos pés divinos de Parama PuruśaPrańipáta também é conhecido como bhakti [devoção].

Ananyamamatá Viśńormamatá premasaḿgatáh – “Deveríamos nos mover adiante não em direção a objetos de apego mundano e sim em direção de Parama Puruśa, em direção de Viśńu.[11] ” Quando se conseguir estabelecer um apego completo e de todo coração por Viśńu, isso é chamado de bhaktiBhaktir Bhagavato sevá bhaktih prema svarúpińii [“Bhakti é serviço a Deus; bhakti é a forma que o amor divino assume”]. Qual é a coisa que é da máxima necessidade para o progresso espiritual? A coisa mais importante requerida para o progresso espiritual, para a unificação do eu individual com Paramátmá, é bhakti.

Portanto, vemos que três coisas são muito preciosas na vida humana. E do que se necessita para que aconteça a unificação com Paramátmá no estágio final? Debhakti. E a respeito de karma yoga jiṋána yoga? Elas são fases preparatórias necessárias para bhakti. Vocês têm de praticar karma yoga jiṋána yoga. Através dessa prática vocês por fim irão se estabelecer em bhakti. Assim que vocês estiverem se estabelecido em bhakti, tudo será de vocês; vocês não terão mais nada por alcançar.

*      *      *
Título Original: “Prańipátena Pariprashnena Sevayá”

Fonte: Edição Eletrônica das Obras de P. R. Sarkar – versão 7.5 (em inglês).

Publicado em:
Ánanda Vacanámrtam Part 20
(Obra ainda não publicada em inglês.)

Discourses on Krśńa and the Giitá [compilação]
(Obra ainda não publicada no Brasil.)

Tradução e Notas: Mahesh – Florianópolis
(5 a 7 de março de 2013)






[1] Nota do Tradutor (N.T.): Que o autor também denomina de cinco fatores fundamentais, ou ainda cinco elementos rudimentares (como o autor falará mais adiante), a saber: os fatores etéreo, gasoso, luminoso, líquido e sólido.
[2] N.T.: Essa comparação ou identificação do corpo com uma máquina pode vir a ser interpretada de modo distinto do pretendido pelo autor – talvez especialmente quando entendida em relação a um pano de fundo filosófico de materialismo ou reducionismo, o qual certamente não corresponde à posição do autor.
[3] N.T.: Sem dúvida o autor está simplificando a exposição a respeito dos elementos componentes do corpo, provavelmente para ser didático e poder chegar mais facilmente ao ponto que visa apresentar.
[4] N.T.: Em outros discursos o autor explica que os 50 vrttis ou propensões mentais podem ser expressados com relação a cada um dos 10 órgãos sensores e motores, e que essa expressão pode ser tanto interna quanto externa, donde tem-se: 50 x 10 x 2 = 1000 propensões secundárias, controladas pelo sahasrara chakra (cujo nome deriva justamente desse número 1000).
[5] Nota do Editor da versão em inglês (N.E.): A prática espiritual que enfatiza a ação altruísta. [N.T.: Explicação originalmente entre colchetes no texto em inglês; colocada aqui como nota de rodapé.]
[6] Nota do Tradutor da versão em inglês (N.T.i).: Karma significa “ação” e yoga significa “unificação” da alma unitária com a Alma Suprema.
[7] N.T.i: [Citação do] Bhagavad Giitá.
[8] N.T.: Termo em latim que significa uma substância ou algo que alimenta e nutre. Ou seja, refere-se a um “alimento” (em sentido literal) para o corpo ou (em sentido figurado) para a mente. O termo deriva do verbo latim pascere, “alimentar”.
[9] N.E.: A prática espiritual que enfatiza a discriminação ou entendimento intelectual. [N.T.: Explicação originalmente entre colchetes no texto em inglês; colocada aqui como nota de rodapé.]
[10] N.T.: Em inglês o pronome é Him, “Ele”. Poderia ser traduzido como “Ela” tendo em vista a concordância com “a Consciência Suprema” (tradução de Parama Puruśa). Mas traduziu-se aqui como “Ele” para manter concordância com “o Ser Supremo”, que aparece logo em seguida no mesmo parágrafo.
[11] N.T.: Em outros discursos o autor explica esse termo:

“O significa derivativo de Viśńu é ‘todo-pervasivo’, i.e., a entidade que permeia tudo, desde moléculas e átomos até o grande criador Brahmá, é Viśńu.”
[“Bhakti and Krpá”, c. 1969.]

“A raiz verbal sânscrita ‘vish’ significa ‘entrar’. Parama Puruśa é chamado de Viśńu em sânscrito (viś + nu) porque Ele é a entidade que se encontra escondida em todas as outras entidades.
[...]
A entidade que permeia o universo inteiro é Viśńu. Portanto, pessoas inteligentes e ponderadas jamais odeiam objeto algum. Elas olham para todo e cada objeto como uma manifestação de Viśńu.”
[“Ideation on Brahma”, 1970.]

12/03/2013

Retiro de Ananda Marga fev-2013- Ananda Daksina

Retiro de Ananda Marga fev-2013- Ananda Daksina from Ranjan TV on Vimeo.

O Significado da Palavra “Yuga”



Shrii Shrii Anandamurti
manhã de 2 de março de 1979
Siliguri, Índia

Nos Vedas foi dito:

Kalih shayáno bhavati saiṋjihánastu dváparah;
Uttiśt́han tretá bhavati krataḿ sampadyate carań.[1]

[Uma pessoa que evita o trabalho e não quer se mexer está vivendo em Kali Yuga; a pessoa que recém despertou do sono está em Dvápara Yuga; aquela que se levantou está em Tretá Yuga; e quando alguém já começou a se mover, então a Satya Yuga já chegou na vida dessa pessoa.]

Quando os seres humanos ficam imersos na ignorância, quando eles ficam adormecidos na escuridão da ignorância, então essa é a era de kali na vida deles. SatyaTretá,Dvápara e Kali yugas [eras] não têm sentido além d[esses significados psicológicos]. Quando os seres humanos negligenciam seus deveres, quando eles não conseguem discriminar entre certo e errado, quando eles toleram a injustiça e a humilhação como lei da natureza, isto significa que eles estão sob o domínio de kali yuga.
As raízes sânscritas yug e yunj têm significados parecidos. Yuj significa “adicionar”, e yunj também. Por exemplo, dois mais dois é igual a quatro. Existe, entretanto, uma certa diferença entre ambos. Quando a palavra “yoga” deriva do verbo raiz “yuj”, ela significa “adição”, sem dúvida, mas aqui os componentes adicionados mantêm as suas identidades originais, tal como quando areia e açúcar são misturados e os grãos individuais ainda conseguem ser identificados. O verbo raiz yunj, por outro lado, refere-se a um tipo de adição na qual os componentes originais perdem suas respectivas identidades, como no caso de uma mistura de açúcar e água, em que se forma um xarope no qual o açúcar não consegue mais ser identificado separadamente. Similarmente, quando um ser unitário (jiiva) funde-se em Parama Puruśa [2], ele perde a sua identidade microcósmica e resta apenas uma única entidade, a Entidade Suprema.

A palavra yuga é derivada desse verbo yunj. O que é uma yuga? Quando um período de tempo em particular se encerra, quando uma época em particular termina, quando um fluxo de vida particular acaba e outro começa ou surge, isso é chamado de yuga. O passado pode ser dividido em várias yugas ou eras: a shudra yuga ou era dos trabalhadores; a kśatriya yuga ou era dos guerreiros; a vipra yuga ou era intelectual; e a vaeshya yuga ou era capitalista. Também no futuro essas eras virão e irão.[3] As pessoas irão rejeitar uma velha ordem social e abraçar uma nova. A fase de transição entre duas ordens sociais é chamada de yuga sandhi.[4]

Quando as pessoas estão tão inertes que elas fecham os olhos para o que acontece em redor delas, quando elas ignoram o futuro das demais, da sociedade e até de si mesmas, quando elas ficam docemente inconscientes que elas também têm um papel significativo a desempenhar, em evitar a degeneração da sociedade, então isto é chamado de kali yuga. Elas estão adormecidas.

Saiṋjihánastu dváparah. Existem algumas pessoas que continuam deitadas, mas que já despertaram, que já ficaram conscientes. Elas sentem a necessidade de agir mas não fazem nada. Isto também acontece na vida coletiva. Suponha que alguma coisa esteja acontecendo por um longo tempo. Nós a vemos acontecendo e até entendemos o que está acontecendo, mas mesmo assim deixamos de fazer qualquer coisa a respeito. “Isso é o que deveria ser feito”, “Isso é o que deveria ter sido feito”, “Isto deveria ter sido feito há muito tempo” – as pessoas fazem tais comentários mas, devido à falta de liderança dinâmica, elas não chegam a agir. Quem vai pendurar o sino no gato?[5] Esse é o sentimento geral da dvápar yugaSaiṋjihánastu dváparah. As pessoas já acordaram do seu sono, já tornaram-se conscientes, mas ainda não entraram em ação.

Uttiśt́han tretá bhavati. Quando as pessoas já não se limitam a fazer comentários ociosos a partir do conforto das suas camas – “Oh, eu acho que isto deveria ser feito ou que aquilo deveria ser feito, eu tenho que começar a agir” – mas, ao invés disso, conseguem discriminar entre certo e errado e se levantam com um pulo, prontas para a ação, isto se chama de tretá yuga, tanto na vida individual quanto na coletiva. Uttiśt́han tretá bhavati. “Agora é hora de agir. Temos que agir agora mesmo.” As pessoas se reúnem em grupos de cinco ou dez ou vinte, e assim por diante, para fazer planos concretos de ações imediatas e efetivas. A consciência existe mas ainda precisa ser traduzida em ações.

Krtaḿ sampadyate carań. Suponha que alguém elabore planos e programas abrangentes, mas esses planos ainda ficam num nível teórico. Trata-se de um tigre de papel. Nenhum trabalho é realizado. Não há contribuição para o progresso na vida individual. O que então precisa ser feito? Os planos precisam ser transformados em ação. Quando as pessoas realizam trabalho concreto com sinceridade, então o sucesso inevitavelmente vem em suas vidas. Essa é a krta yuga [era da ação prática] ou satya yuga[era da verdade]. É desse modo que os seres humanos avançaram no passado, estão avançando agora e irão avançar no futuro.

Antes eu mencionei que assim como uma yuga sandhi acontece na vida individual – em que um estágio particular termina e outro estágio começa, sendo que a fase entre os dois é chamada de yuga sandhi –, a mesma coisa acontece também na vida coletiva. Suponha que exista uma certa comunidade. Ela pode consistir de uns poucos milhares ou de algumas centenas de milhares ou de uns poucos milhões de pessoas. Elas estavam adormecidas por um longo tempo, durante o qual elas suportaram incontáveis infâmias, humilhações e subserviência completa aos dominadores delas. Ninguém lhes deu qualquer consideração ou respeito. Mas quando a kali yuga delas dá lugar à dvápara yuga e a consciência desperta nelas, então os outros começam a ter medo delas: “Uh, oh, elas estão acordando!” A mesma coisa acontece também na vida individual. Os seres humanos passam seus dias como se fossem cães ou gatos ou cabras. Eles vêm à Terra, comem, dormem, se movem e morrem. Não tem sentido. Precisa haver consciência, e para que as pessoas estabeleçam-se nessa consciência elas tem que se levantar. Elas têm de se mover em frente. É a mesma coisa, trate-se do indivíduo ou do coletivo.

De acordo com a nossa filosofia, quando a consciência surge na vida individual, então a pessoa começa a se mover em consonância com certas instruções, certa orientação. Também na vida coletiva, quando esse estágio chega, as pessoas que estão mais avançadas, que têm melhor compreensão, que são mais corajosas, mais firmemente estabelecidas na moralidade, que são verdadeiras corretas – essas terão de tomar a frente, assumir a posição de liderança. Nesse tempo, as pessoas que se preocupam com o que os outros vão dizer ou pensar, ou que se preocupam em ser criticadas, e devido a esse medo escondem-se atrás de portas fechadas pensando que, se elas agirem, o nome delas ficará manchado – tais pessoas não são verdadeiramente seres humanos. Elas são mendigos, mendigando por reputação. Elas não têm hombridade; elas perdem a coragem de moverem-se em frente. Nesse momento, as pessoas que vão à frente e dizem “Vamos lá. Eu estou com você. Se vier encrenca, deixe que venha. Eu vou carregá-la nos meus ombros”, a essas pessoas eu dei o nome sadvipra.

É assim que sempre foi e é assim que sempre será. Contudo, na vida coletiva, na conjuntura crítica entre uma grande era e outra, nesse estágio de transição de grande mudança, quando se torna impossível para as pessoas comuns e até mesmo para sadvipras ordinários assumirem a liderança, então Parama Puruśa, através da sua graça especial, provê essa liderança.

Na presente época na Terra, a humanidade está testemunhando uma tal yuga sandhi. De um lado existe o monte de sujeira do passado, e as pessoas estão se agarrando a essa pilha de lixo porque ainda não se mostrou a elas a saída. De outro lado existe o chamado do novo. Sob tais condições, o que esse Mahásambhúti [6], que orientou a raça humana no passado, fará agora? Com coragem ele irá conclamar os seres humanos e declarar: “Deixem de lado o lixo do passado. Ele só poderá fazer mal a vocês e levá-los à própria morte. Sigam em frente. Respondam ao chamado do novo. Eu estou com vocês. Não há razão para terem medo.”

*      *      *
Título Original: “The Significance of The Word ‘Yuga’ ”

Fonte: Edição Eletrônica das Obras de P. R. Sarkar – versão 7.5 (em inglês).

Publicado em:
Ánanda Vacanámrtam Part 9
(Obra ainda não publicada no Brasil.)

Tradução e Notas: Mahesh – Florianópolis
(12 de março de 2013)


[1] Nota do Tradutor (N.T.): Este trecho encontra-se no Aitareya Brahmana 33.3, Rgveda – conforme: NIGAL, Sahebrao Genu. Axiological Approach to the VedasNova Delhi: Northern Book Center, 1986.
Segundo esse autor, “Os filósofos védicos acreditavam em quatro ciclos culturais que podem ser vividos pelos seres humanos. Realizações culturais dependem do esforço humano. Quando o pensamento de realizar algo entra no coração humano, isto é o sinal de Dvāpara Yuga (segundo estágio – sanjihānastu dvāparah). No terceiro estágio (Tretāyuga), a pessoa tenta se mover para realizar seus objetivos (uttişthanstretā bhavati). Mas na Kŗtayuga (satyayuga) a pessoa esforça-se sem parar e busca alcançar valores cada vez mais elevados (kŗtam sampadyate caran caraivaiti). Portanto, o ser humano é quem faz a sua era.” (Ibid., p. 30, tradução minha).
[2] N.T.: a Consciência Suprema.
[3] N.T.: Essa divisão apresentada aqui pelo autor se refere em particular à dinâmica social, e especificamente à mudança da psicologia coletiva de uma dada sociedade, civilização ou grupo, conforme detalhado na teoria dos ciclos sociais, formulada pelo autor. Em seus discursos, o autor apresenta diversas ilustrações dessa teoria usando, em boa parte, fatos históricos genéricos.
Baseado nessa teoria, o autor Ravi Batra estuda a história de três diferentes civilizações em termos dos conceitos dessa teoria. Assim, no caso da civilização ocidental (situada inicialmente na Europa), e iniciando-se a análise pelo ano 1 CE, com foco no Império Romano, Batra concluiu que essa civilização passou pelas seguintes eras desde então: era kśatriya (proeminência dos imperadores romanos), era vipra (ascensão e domínio da Igreja Católica), era vaeshya (feudalismo, no final da Idade Média), era shudra (revoltas sociais e revoluções nos séculos XIV e XV), era kśatriya (domínio de diversos reis e rainhas), era vipra (preponderância do poder dos parlamentos) e era vaeshya (ascensão e domínio do sistema capitalista), que perdura até os dias atuais, nos quais se tem um período de fim dessa era e de passagem pela era shudra, marcada por grande insatisfação popular, revoltas etc. (BATRA, Ravi. The Downfall of Capitalism and Communism – Can Capitalism Be Saved? Dallas: Venus Books, 1990 (1978). 2a ed.)
[4] N.T.: Como o autor dá a entender a respeito do termo “yuga”, este termo (“yuga sandhi”) aplica-se também a outras situações, como, em particular, à transição entre períodos em que o dharma humano sofre uma decadência acentuada (períodos esses que são temporalmente mais extensos do que os do ciclo social, referido na nota anterior). Em outros discursos o autor explica que tal transição caracteriza-se pelo surgimento de uma grande personalidade (denominada Mahásambhúti) cuja missão é resgatar o dharma humano e combater a dominância do adharma. O autor fala rapidamente sobre isto ao final do presente discurso.
[5] N.T.: Expressão que tem o sentido de uma tarefa muito difícil ou arriscada. Provém de uma das fábulas de Esopo, na qual um rato propôs aos demais uma solução para o problema do gato que estava os atacando: que se pendurasse um sino no pescoço do gato, para que assim pudessem ser avisados da sua aproximação. A pergunta então feita por um rato velho foi “Quem vai colocar o sino no gato?”
[6] N.T.: Em outro discurso o autor explica:
O que é Mahásambhúti? De acordo com a lei da natureza, o movimento do mundo indo do denso para o sutil é acompanhado de choques entre o bem (shubha) e o mal (ashubha), entre kśema e akśema. Durante esse desenvolvimento, as pessoas boas às vezes ficam exaustas com o domínio dos desonestos (pápiis). Se esse período continuasse por mais algum tempo, os honestos (sádhus) seriam extintos. Se um tal estado de coisas existir no mundo, uma força especial (visheśa shakti samprayoga) deParamátman [a Alma Suprema] torna-se uma necessidade.
Nessa hora, torna-se essencial desferir um golpe contra os pecadores (pápiis). Não é possível que esse golpe seja dado pelos seres humanos (jiivas) pois eles não têm poder para isso. Nessa situação, para dar um golpe forte, torna-se inevitável uma manifestação especial conhecida como Mahásambhúti.
Cada ser unitário [jiiva] está fazendo o trabalho de Paramátman; cada um é expressão de Deus; este é o sambhúti de Paramátman. Mas para realizar um grande trabalho que não é possível ser feito através da estrutura física (adhara) dos seres humanos, surge uma manifestação especial de Deus (Ávirbháva) que é conhecida como “Mahásambhúti”.
Isto é diferente de uma encarnação (avatára). “Avatára” significa “que descende” – vir na forma de um ser unitário. Toda pessoa é um avatára de Paramátman. Vocês podem dizer que o avatára é o sambhúti de Mahásambhúti.
                [...]
                Todos os jiivas são sambhúti [...].
                (ANANDAMURTI, Shrii Shrii. Lord Krśńa's Unique Approach. In: Discourses on the Mahábhárata. Ranchi, 22 Outubro 1967.)

Quem sou eu ?