05/10/2014

Tantra e Seus Efeitos na Sociedade

 
Shrii Shrii Anandamurti Discurso de RU (Renaissance Universal) Bhagalpur, Shrávańii Púrńimá, 1959.  

O que é Tantra? O processo de transformar [a divindade latente] em Divindade Suprema é conhecido como a sádhaná do Tantra {ou Tantra sádhaná}. A divindade adormecida na animalidade é chamada, na linguagem dos aspirantes espirituais, de kulakuńdalinii. Assim notamos que, efetivamente, o espírito da sádhaná do Tantra consiste em infundir uma [vibração] na kulakuńdalinii e puxá-la em direção à meta espiritual.  
A significância do termo tantra é “liberação das limitações [as amarras da obtusidade ou da estaticidade]”. A letra ta é a semente [sonora] da obtusidade. E o verbo raiz trae sufixado por d a torna-se tra, que significa “aquilo que libera” – assim, a prática espiritual que libera o aspirante da obtusidade ou da animalidade da força estática e expande o eu do aspirante [espiritual] é a sádhaná do Tantra. Portanto, não pode haver qualquer prática espiritual sem o Tantra. Tantra é sádhaná. 

Prática espiritual significa uma prática para a expansão, e essa expansão não é nada mais que uma liberação do aprisionamento de todos os tipos de obtusidade [ou estaticidade]. Uma pessoa que, independentemente de casta, crença ou religião, aspira à expansão espiritual ou faz alguma coisa concreta {a esse respeito} é um tântrico. Tantra em si mesmo não é nem uma religião nem um ismo. Tantra é uma ciência espiritual fundamental. Assim, onde quer que haja alguma prática espiritual, pode-se dar por certo que ela se baseia no culto tântrico.2 Onde não há prática espiritual, onde as pessoas rezam para Deus pela satisfação de desejos mundanos mesquinhos, onde o único lema das pessoas é “Dê-nos isto e dê-nos aquilo” – somente ali veremos que o Tantra é desencorajado. Assim, somente opõe-se ao culto do Tantra quem não compreende o Tantra ou que, mesmo após compreender o Tantra, não quer fazer nenhuma prática espiritual. 

Os fatores por trás de sua repulsão pela sádhaná são dois em número. O primeiro é aquilo que é conhecido como a psicologia da inércia espiritual, e o segundo é um tipo de fobia. A fobia espiritual é o maior inimigo da sociedade humana. Essa fobia é o principal fator desencorajante. 

Como eu estava dizendo, a [raíz acústica] ta representa a obtusidade, e o esforço para liberar o próprio eu dessa obtusidade é conhecido como Tantra sádhaná. 

A esta altura eu gostaria de dizer umas poucas palavras sobre os biija mantras [sons-semente, raízes acústicas] do Tantra. Neste âmbito universal, toda e cada ação possui uma certa implicação acústica. O som fundamental que opera por trás de certa ação é conhecido como a semente daquela ação. Se as diferentes expressões do Eu Cósmico ou do Macrocosmo são denominados de devatás, então na raiz de cada devatá encontra-se uma semente ou som particular. Essa semente ou som particular é conhecido como o biija mantra do devatá em questão. O poder de vontade (biija bindu ou kámabiija) do Eu Cósmico, [em] sua primeira expressão, assume a forma do náda (a primeira expressão, movendo-se em uma linha reta). Depois disso o náda é convertido em kalá [curvatura criada sob influência da Prakrti mutativa] e as manifestações sensíveis ou perceptíveis dessa kalá são conhecidas como o jagat ou “mundo”. O espírito do termo jagat é “exibição em andamento”.  


Assim, reconhecemos que o mundo, que é uma expressão de kalá, origina-se do náda, e o náda surge do kámabiija, ou força de vontade (Shambhúliunga), do Grande. [Náda tem a forma acústica de onm.] Esse onm  é a forma coletiva de três letras-semente: a, u e ma, respectivamente representando a criação, a preservação e a destruição. Portanto, a palavra on m pode apropriadamente representar este universo manifesto. Através de uma análise apropriada, nós obtemos cinquenta sons fundamentais, ou raízes acústicas, a partir do onm – ou seja, o onm é a forma coletiva desses cinquenta sons. 

Cada ação mundana é expressada através de ondas ativadoras que têm como seus núcleos as potencialidades daqueles sons fundamentais. A potencialidade de um som particular, ou as potencialidades de mais que um som, podem atuar como um núcleo ou como núcleos, de acordo com a natureza da ação em questão. Esses sons fundamentais são as forças criativas do universo – por isso eles são conhecidos como mátrká varńas [matrizes causais]. O que quer que exista no universo é [sustentado] por um som desse tipo. 

Uma das coisas que existem neste universo é contração ou obtusidade. A contração ou obtusidade também é algo mundano. Já que existe, ela certamente tem algum biija mantra. O biija mantra dessa obtusidade é ta, e a sádhaná que libera os aspirantes espirituais da influência desse ta é Tantra. 

Existe força espiritual em toda e cada entidade viva. A interpretação prática do Tantra é despertar essa força espiritual e expandí-la, com o único objetivo de unificá-la com a Divindade Suprema. A porção mais inferior da coluna vertebral é conhecida como kula, [a residência de] Svayambhú. Ela é chamada de kula porque ela suporta o peso do tronco físico principal: ku significa “criação” e la significa “sustentáculo” (lá + da = la). [A residência de] Svayambhúliunga, que suporta o peso do tronco físico principal, é corretamente denominada de kula. 

A animalidade inconsciente que reside nesta kula em uma forma enrolada não é nada mais do que a força divina latente. Ela retorna à sua condição original tão logo o seu apego por objetividades grosseiras é removido. Por causa da sua forma enrolada, essa força divina adormecida é conhecida como a kulakuńd alinii, ou a “serpente enroscada”.3 Então, a primeira e mais pronunciada fase da sádhaná espiritual consiste em despertar a kulakuńd alinii da sua longa hibernação, com a ajuda de uma onda apropriada vindo de um grande espiritualista [e] com a ajuda de um mantra apropriado. Mas para a marcha espiritual da pessoa, não é suficiente apenas despertá-la. Essa kulakuńd alinii despertada precisa ser puxada para cima e sua existência precisa ser suspensa na existência não-atribuicional de Shiva [Consciência Suprema]. Suspender a kulakuńd alinii em Shiva é o ideal do Tantra. 

 

Dhyáyet kuńd aliniiḿ sukśmáḿ múládháranivásiniiḿ Támiśt́a devatá rupaḿ sárdhatri balayánvitam; Koti saodáminiibhásaḿ Svayambhúliun gavesthitám. 

 

[Deveria-se meditar na kuńd alinii – que reside no múládhára cakra em uma forma sutil e divina – enrolada três vezes e meia – com a efulgência de um milhão de luas – enroscada em torno de Svayambhúliunga.] 


Existem várias glândulas de vários tipos na estrutura humana. Toda e cada glândula pode ser tratada como o ponto controlador de uma [propensidade] mental particular, e a intensidade da expressão das [propensidades] mentais depende da secreção apropriada dos hormônios produzidos por essas glândulas. Como regra geral, hormônios secretados pelas glândulas inferiores não conseguem influenciar as glândulas superiores, mas elas podem, direta ou indiretamente, influenciar as glândulas situadas em pontos inferiores. Como o sahasrára cakra [correspondente à glândula pineal] é o cakra ou plexus {plexo} mais elevado, os hormônios secretados por esse plexus podem controlar todas as outras glândulas do corpo humano. Agora há pouco eu disse que a kulakuńd alinii é despertada pela força de ondas espirituais ou de um mantra, e essas glândulas ajudam os aspirantes espirituais criando uma tal força. O sahasrára cakra, sendo o controlador de todas as glândulas, é o ponto central de todas as ondas e mantras. 

Em toda e cada glândula ou subglândula importantes encontra-se a semente da sua expressão – quer dizer, uma mátrká varńa. Assim, no sahasrára cakra [encontram-se] as sementes de todas as expressões – ou seja, todas as mátrká varńas estão ali. A forma sintética de todas as mátrká varńas é o on ḿkára [som onm]. Portanto, é claro e cristalino que a potencialidade de expressão de todos os instintos da mente humana está no sahasrára cakra. 


A [estaticidade] humana pode ser convertida em espiritualidade ou divindade apenas após chegar-se ao sahasrára cakra. O plexo mais inferior, o múládhára, é a sede da crueza, e o plexo mais elevado, o sahasrára, é justamente o oposto: é a sede da consciência. Portanto, pessoas com instintos animais não têm outra opção – se elas querem libertar-se das ilusões mundanas – do que levar a kulakuńd alinii do múládhára até o sahasrára. O espírito interno da elevação da kulakuńd alinii é que a pessoa controle as [propensidades] e os sons-semente das diferentes glândulas e suspenda o seu eu em Paramashiva [o Núcleo da Consciência], cuja posição está além da abrangência de todos os instintos e sons-sementes. É um processo de estilhaçar os páshas [amarras] de todas as fraquezas mentais; e, depois de conquistar essas fraquezas e outros ripus [inimigos] mentais, transformar a animalidade em divindade. Esta sádhaná da kulakuńd alinii é uma grande luta. Depois de estabelecer-se acima da abrangência de todo e cada instinto, idéia e som-semente, um sádhaka {ou uma sádhiká} deve prosseguir com a sua luta, com a intenção de fundir-se na Entidade Suprema que está além do âmbito do mundo da ideação. Assim, a sádhaná do Tantra é uma grande batalha – é uma sádhanásamara. 

A principal característica do Tantra é que ele representa o vigor humano. Ele representa um luta sem tréguas. Onde não houver luta, não há sádhaná. Sob tais circunstâncias, o Tantra não pode estar ali – onde não há sádhaná; onde não há luta. É uma impossibilidade conquistar uma idéia grosseira e substituí-la por uma idéia sutil sem luta. E isso não é de forma alguma possível sem sádhaná. Portanto, Tantra não é somente uma luta: é uma luta plena. Não é somente uma luta externa ou interna, é ambas simultaneamente. A luta interna é uma prática da parte mais sutil do Tantra. A luta externa é uma luta da parte mais grosseira do Tantra. E a luta, tanto externa quanto interna, é uma luta em ambos os modos ao mesmo tempo. 

Assim, a prática em todo e cada nível da vida recebe a devida consideração no Tantra, e a coordenação e cooperação das práticas em todos os estratos representa o Tantra em sua perspectiva apropriada. A prática de erguer a kulakuńd alinii é a sádhaná interna do Tantra, enquanto que o estilhaçamento das amarras do ódio, da desconfiança, medo, timidez etc. pela ação direta é a sádhaná externa. Quando aqueles que têm pouco conhecimento de sádhaná vêem o estilo dessa luta externa, eles pensam que os tântricos andando no campo de cremação são um tipo de criatura antinatural. Na verdade, o público em geral não tem compreensão desses tântricos. Na luta direta contra os ripus e páshas, eles podem parecer antinaturais naquela ocasião, mas não se pode ignorar o fato de que em tempos de guerra cada pessoa se torna, em alguma medida, antinatural em suas atividades. 

As pessoas que não entenderam o espírito interno da sádhaná sutil do Tantra 4, ou aquelas que não entenderam ou não conseguiram entender a essência das práticas [tântricas], ou não conseguiram seguir essas práticas em suas vidas, interpretaram erroneamente a verdadeira idéia e fizeram o que quer que elas quisessem de acordo com suas doces vontades, com a intenção de promover seus interesses individuais estreitos e de satisfazer seus desejos mundanos. Uma parte da intelligentsia refinada, por causa de sua mediocridade e de seus gostos degradados, interpretou erroneamente o Tantra e foi contra a sua idéia. Aqueles que não conseguiram entender o espírito interno em termos de madya, máḿsa, miina [matsya] etc. (coletivamente conhecidos como Paincamakára) 5, aceitaram as interpretações mundanas grosseiras desses aspectos, e a Tantra sádhaná deles não era mais do que uma atividade antissocial e imoral.  

O processo da sádhaná do Tantra é gradual. Mas até mesmo com um progresso preliminar nessa sádhaná, os sádhakas alcançam certos poderes mentais e ocultos que os tornam mais fortes do que uma pessoa mediana, em termos de desenvolvimento mental e espiritual. Mas se nesse processo os sádhakas esquecem-se de Parama Brahma, o ponto culminante de todas as nossas expressões vitais, e utilizam os seus poderes mentais e ocultos para explorar as pessoas simples e satisfazerem suas cobiças, então o demérito recai sobre esses indivíduos, e não sobre o Tantra. Se os sádhakas permanecem vigilantes e alertas com respeito aos princípios de Yama e Niyama – isto é, os princípios morais cardinais –, então existe pouca chance de eles degradarem-se. Ao invés disso, com suas forças mentais e ocultas desenvolvidas, eles estarão em posição de prestarem um melhor serviço à humanidade e a utilizarem seus intelectos de um modo melhor. 

As pessoas podem utilizar quaisquer dos seus poderes ou conquistas tanto para a virtude quanto para o pecado. Se qualquer pessoa utilizar as potencialidades dela em objetivos malévolos ou destrutivos, ao invés de em objetivos benevolentes, então não se deve culpar esses poderes ou potencialidades: todas as falhas são falhas da pessoa. Pode-se usar o dinheiro em variados projetos para o bem-estar público; não obstante, ele também pode acarretar vários males na sociedade. Espadas podem ser usadas para suprimir os brutos, mas também os gentis. Então, será que a espada ou o dinheiro são responsáveis pelo bom ou mau uso que se faz dos mesmos? Certamente não. É altamente impróprio permitir que os poderes adquiridos através da sádhaná do Tantra tornem-se extrovertidos; é apropriado exercitar todos essas aquisições em uma sádhaná mais complexa, em buscas mais sutis, de modo que as obstruções espirituais sejam expelidas da mente humana. Essa realização espiritual ajudará a kulakuńd alinii a ascender e a fundir-se com, ou a unificar-se com, a Consciência Suprema. 

O Tantra deveria ser utilizado somente na esfera sutil; se for aplicado extroversivamente, ele gera tanto impacto grosseiro dos assuntos mundanos que a degeneração de um sádhaka torna-se inevitável. O poder aplicado por tântricos degenerados no sát karma 6 do Tantra – ou seja: matar psiquicamente, dominar ou controlar psiquicamente, deixar atônito, hipnotizar etc. – na realidade não tem nada a ver com espiritualidade. Todos esses poderes são simplesmente poderes mentais adquiridos através da sádhaná do Tantra. Eles podem ser adquiridos mesmo sem praticar-se a sádhaná do Tantra – praticando-se certos processos mentais. Mas então tais poderes podem ser aplicados com sucesso apenas contra pessoas mentalmente fracas. Nenhuma empreitada desse tipo terá qualquer efeito sobre pessoas mentalmente fortes. E nenhuma dessas ações possui qualquer valor para um sádhaka espiritual. 

Para obter-se poderes tântricos, a pessoa precisa praticar tanto a sádhaná externa quanto a interna – ela tem de empreender uma luta de ambos os tipos. Como parte da luta externa, a pessoa tem que aplicar uma força ou controle vigorosos sobre a sua conduta e expressão mundanos, ao passo que na luta interna a pessoa tem que despertar e elevar a sua kulakuńd alinii contra os seus pensamentos grosseiros, com toda a força da sua intuição. 

A ascensão da kulakuńd alinii é alcançada através da prática de certos processos. No sahasrára, ou glândula pineal, a kulakuńd alinii bebe o hormônio secretado por esse plexo. A explicação biológica disto é que o sádhaka alcança controle sobre o fluxo do néctar secretado no sahasrára (ou seja, sobre um certo hormônio secretado pela glândula pineal). Esse fluxo de néctar é a principal base da vida divina. Durante esse período da sádhaná da kuńd alinii {kuńd alinii sádhaná} (a sádhaná que estabelece o controle sobre a “serpente enroscada”), os sádhakas atingem ou adquirem controle sobre a subida e a descida do fluido da [suśumná]. As tendências mentais dos sádhakas são vitalizadas pelo néctar do sahasrára – por esse hormônio – e pelo movimento bem-controlado do fluido da [suśumná], trazendo aos sádhakas uma sagacidade e um vigor incomuns. A combinação dessa sagacidade e desse vigor adorna um sádhaka com uma personalidade atraente, com inteligência aguçada e com um espírito sem igual. Somente sob a liderança apropriada de tais tântricos é que se pode viver uma vida social e nacional dhármica {i.e., conforme ao dharma}.   

Nesse caminho do progresso humano que vai da animalidade à divindade, todas as pessoas têm uma posição particular e exercem certa influência na sociedade de acordo com essa posição. Como questão de princípio, cada ser humano, em virtude de ser um Homo sapiens, certamente tem direitos iguais aos demais em todos os âmbitos da vida, mas o Tantra admite tratamentos especiais para certos indivíduos em proporção às suas posições nos níveis metafísicos. O Tantra não reconhece quaisquer diferenças raciais, genealógicas, políticas, nacionais ou econômicas entre os seres humanos, mas dá reconhecimento ao vigor individual. A diferença fundamental entre os ideais arianos védicos e os ideais tântricos é que entre os ideais védicos é dada muita importância às diferenças raciais e de grupo social, ao passo que no Tantra somente o ideal humano é honrado. Existe muito pouca margem para o desenvolvimento espiritual na religião ariana – cheia de orações –, e é por isso que os arianos que se estabeleceram na Índia gradualmente foram influenciados pelo Tantra.7 A efetividade do Tantra no desenvolvimento da personalidade e do vigor em um curto período de tempo tornou o Tantra atrativo para os arianos. Assim, no início eles começaram a praticar a sádhaná do Tantra, mas em estrito segredo. Durante o período diurno eles permaneciam arianos com os seus emblemas usuais – shikhá [cabelo sagrado] e sútra [cordão sagrado] – mas de noite eles jogavam fora seus upaviita [cordões sagrados] e suas diferenças de casta e praticavam a sádhaná do Tantra dentro do Bhaeravii cakra 8


Pravrtte Bhaeraviicakre sarva varná dvijátayah; Nivrtte Bhaeraviicakre sarve varńah prthak-prthak. 

[Quando eles sentam-se no Bhaeravii cakra, eles distinguem somente entre aqueles que são sádhakas e aqueles que não são; mas quando eles saem do cakra, eles renovam as suas tradicionais distinções entre castas.] 

Através de seus rituais de sacrifício, o Veda encoraja o materialismo, enquanto que o culto tântrico, através de sua prática mental e espiritual, ajuda os sádhakas a progredirem em direção ao eu intuicional – em direção à Realidade Não-atribuicional Suprema.
O espírito da sádhaná é controlar as tendências extroversivas da mente – guiar a si mesmo de uma maneira apropriada –; por isso, sádhaná e culto tântrico são sinônimos. Sacrifícios cerimoniais, orações e outros rituais extroversivos não são nem Tantra e nem sádhaná. Toda sádhaná que visa atingir o Supremo, independentemente de sua afiliação religiosa, definitivamente é Tantra; pois Tantra não é uma religião: o Tantra é simplesmente a ciência da sádhaná – ele é um princípio. Em verdade, será que alguém consegue erguer-se em qualquer esfera da vida sem [sádhaná]? Será que podemos obter honra, status e as outras comodidades que desejamos neste mundo material sem esforço? E quando consideramos nossa aspiração por desenvolvimento e progresso no mundo mental – isso tampouco pode ser realizado sem luta. Assim, em toda parte, seja na esfera densa ou na esfera sutil, luta é a essência da vida. O papel próprio dos seres humano está no [controle] e na mobilização de todos os tipos de forças ou tendências densas. Portanto, o Tantra não é apenas um patrimônio no mundo espiritual; pois até mesmo nas esferas mais materiais e densas da vida, não há outra alternativa que aceitar os ideais tântricos. 
Aqueles que são ativos e desenvolvem o seu vigor nos mundos físico e mental travando uma luta contra as tendências grosseiras tornam-se pessoas super-humanas em estruturas humanas. Tais personalidades, adornadas com vigor e vitalidade, recebem ovações em todos os lugares. Como questão de fato, qualquer que seja o [sistema] social ou administrativo [de um país] – quer seja uma república democrática, uma burocracia ou uma ditatura –, somente aquelas pessoas que infundiram vigor e personalidade em si mesmas é que governam. Personalidades vigorosas sempre dirigem as pessoas fracas. Se indivíduos que têm grandes  personalidades e grande vigor entram na política, elas tornam-se [líderes fortes ou autocráticos], enquanto as outras inclinam-se ao seu comando. 
Personalidades de categoria intermediária [com relação ao seu vigor] não gostam de arcar com as responsabilidades de um [líder forte]. Elas conduzem a sua [liderança autocrática] sob o abrigo seguro de um governo monárquico ou republicano (fazendo com que a coroa ou o parlamento sejam fantoches em suas mãos); mesmo assim, não se pode afirmar categoricamente que a democracia somente é bem-sucedida em países no quais as pessoas carecem de vigor. Existem muitos países em que as pessoas não carecem de vigor, e nos quais, mesmo assim, a democracia pretendeu ter tido sucesso. É claro, isto também tem um lado político. [A autocracia] somente surge naqueles países em que as pessoas têm um amplo acúmulo de vigor e nos quais, ao mesmo tempo, o governo ficou tomado por um alto grau de corrupção. Na Inglaterra e nos Estados Unidos da América não existe deficiência de vigor, mas ainda assim, devido a formas eficientes de governo, a democracia jamais falhou. Mas no Paquistão e no Egito, por causa de tipos de governo lamentáveis e falidos, as pessoas em geral aceitaram [a autocracia] de todo o coração. 
Neste mundo existem também muitos países em que não há líderes honestos e sinceros na esfera política, e cujos corpos governamentais estão cheios de corrupção, mas nos quais, não obstante, a democracia não sofreu nenhum revés. De qualquer forma, a essência dos meus comentários está no fato de que mesmo em assuntos mundanos a personalidade de uma pessoa é desenvolvida através da sádhaná do Tantra, e a sádhaná obtém sucesso em qualquer lugar. 
A este respeito, pode-se perguntar se os [líderes fortes] do mundo praticam alguma sádhaná do Tantra ou não. Minha resposta a isto será que, talvez inconscientemente, eles sempre seguiram princípios tântricos. Talvez vocês saibam que o grande herói da independência indiana, Subhash [Chandra Bose], era um ardente seguidor do culto tântrico. 
O sistema de castas baseia-se no princípio de distinções e diferenças. Esse sistema constituiu o maior dos impecilhos à formação de um sociedade forte, bem-organizada e bem-articulada. Esse sistema não fornece nenhuma pista ou semente da possibilidade de unidade na diversidade. O sistema de castas é reconhecido somente pelos Vedas, não pelo Tantra. No culto tântrico, ainda que haja cem por cento de espaço para o desenvolvimento integral de uma pessoa, mesmo assim, como seres humanos, todos permanecem em uma condição de igualdade. É por isso que não pode haver nenhum meio-termo entre o Tantra e o sistema de castas. 

Varńáshramábhimánena shrutidásye bhavennarah; Varńáshramabihiinashca var*ate shrutimúrdhani. 
–Ajin ánabodhinii Tantra 

Isto significa – como o Tantra expressou em linguagem clara – que “Aqueles que orgulhosamente adotam o sistema de castas são escravos dos Vedas, enquanto aqueles que elevaram-se acima dele ou que o descartaram atingem um lugar no topo dos Vedas ou acima dos Vedas.”
 
O atual sistema de castas da sociedade indiana é criação daqueles arianos védicos oportunistas que entraram no culto tântrico mas que, por causa da sua falta de sinceridade, não conseguiram atingir o status desejado. Desse modo, as deficiências da sociedade védica causaram grande dano ao Tantra. 
Tântricos verdadeiros certamente concederão honra e reconhecimento especiais para as potencialidades e o vigor individuais, mas enquanto seres humanos, todos serão iguais a eles próprios. Também na Era budista os tântricos seguiram esse princípio. Em tempos antigos, Bengal e Mithila foram grandes bases do Tantra. Naquela época, aquelas pessoas que haviam avançado na sádhaná do Tantra – aqueles brahmans, kayasthas, vaidyas etc. que eram adeptos da sádhaná de elevação da kulakuńd alinii – eram identificados como kuliinas. Aqueles que eram defensores dos Vedas (também conhecidos como shruti) eram reconhecidos como shrotriyas. Ainda que, como seres humanos, os kuliinas e os shrotriyas desfrutassem todos de status igual na sociedade de então, os kuliinas costumavam receber uma honra especial como sádhakas. Ballal Sen, o rei de Bengal, era originalmente um tântrico budista, mas depois ele tornou-se um tântrico hindu. 
Os tântricos devem empreender uma luta contra todos as forças densas, um combate sem pausas contra a desigualdade e a covardia. A igualdade na sociedade não pode ser alcançada se a [base do poder] for somente quantitativa, sem qualquer consideração do valor qualitativo – pois hoje em dia aquelas pessoas que não se esforçam para instilar vigor em si mesmas através da sádhaná estão em número muito maior do que aquelas que o fazem. Portanto, não é através da democracia, mas confiando o poder aos verdadeiros tântricos, que a igualdade nas esferas econômica e social deverá ser estabelecida neste mundo material. O estabelecimento da igualdade somente é possível pelos tântricos, e não pelos não-tântricos. É claro que não somente nos âmbitos mental e espiritual como também na esfera material, a igualdade completa – cem por cento de igualdade – é uma impossibilidade. Assim, os tântricos terão de continuar a sua luta indefinidamente. Para eles, onde está a oportunidade de descansarem? 

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1 N.T.: (Adaptado do texto “Mantra Caetanya”?) Sádhaná espiritual é o esforço para alcançar-se a bem-aventurança. Sádhaná é o processo de voltar para casa, de onde nós viemos. Nós todos viemos de Parama Purusa – a Entidade Suprema – e de prána-kendra, o núcleo do universo; ou seja, Purusottama.
2 N.T.: A palavra “culto” é sinônima de “prática”.
3 N.T.: A expressão em inglês é coiled serpentine. O termo serpentine teria aqui a função de substantivo, mas em relação ao presente contexto o significado coerente encontrado para o mesmo é apenas na forma de adjetivo, a saber: “relativo a serpente ou assemelhando-se a uma, seja em forma ou em movimento; sinuoso”. Em português há vários termos com função de adjetivo e com significado equivalente ao acima, incluindo: “serpentino”, “serpentil” e “serpentiforme”. Entretanto, por coerência com a função do termo em inglês no presente contexto, a opção é pelo substantivo “serpente”.
4 N.E.: Veja em “Tantra e Sádhaná” a seção sobre “O Pain camakára Sutil e Grosseiro”.
5 N.T.: Mesma nota que a anterior.
6 N.E.: Para mais sobre as “seis ações” ou “seis ramos” do Avidyá Tantra, veja o capítulo “Vidyá Tantra e Avidyá Tantra”.
7 N.T.: Veja-se sobre isto o discurso do autor entitulado “Tantra e a Civilização Indo-ariana”.
8 N.T.: O Bhaeravii cakra é simbolizado por uma estrela de seis pontas, formada por dois triângulos equiláteros sobrepostos, um invertido em relação ao outro.
9 N.T.: Ou seja, a Realidade que está além de todas as limitações, qualidades, formas – ou seja, além de quaisquer atributos em geral, também denominada de Nirguna Brahma pelo autor – onde nirguna significa “não-atribuicional”: livre da influência das gunas ou princípios qualificadores (atributivos) de Prakrti.
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Observação: Colchetes [   ] indicam inserções da versão em inglês, e chaves {   } indicam inserções da presente tradução. 
Fonte: Edição Eletrônica das Obras de P. R. Sarkar – versão 7.5 
Publicado em:  Discourses on Tantra Volume Two [a compilation] Supreme Expression Volume 1 [a compilation] The Great Universe: Discourses on Society [a compilation]  (obras ainda não publicadas em português) 
Tradução: Mahesh – Florianópolis (< setembro/2010; 26/fevereiro – 03/março/2012)
  

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