06/02/2017

VOLTANDO PARA CASA¹


Shrii Shrii Anandamurti, Allahabad,Índia, 28 de maio de 1967. 



Em termos simples, o que temos a fazer é voltar para o lar de onde viemos. Todos nós viemos de Parama Puruśa, a Entidade Suprema, e do práńa-kendra, o núcleo do universo – quer dizer, Puruśottama. Nós temos de voltar para o mesmo lugar. É como o menino que brincou pelos campos o dia inteiro e agora que a noite está chegando, volta para casa. Sádhana é o processo de voltar para casa. A criança brincou fora o dia todo. Quando a noite se aproxima, ele pensa “O pai já deve ter voltado para casa. Eu também vou voltar para casa e sentar perto dele”. Quando uma pessoa está cansada deste mundo e das coisas mundanas, ela anseia voltar para a espiritualidade – quer dizer, para o seu lar.


E qual é a nossa morada permanente, a nossa casa? É Parama Puruśa paramáshrayah Shriinivásah. Aqui shrii se refere à Faculdade Criativa Universal, ou Parama Prakrti. Portanto, voltar para casa é uma tarefa simples. Não requer erudição, conhecimento ou capacidade intelectual – tampouco longas e tediosas palestras. As escrituras nos dizem que há três pontos a serem lembrados para voltarmos para casa. São eles: shravana [ouvir sobre o Supremo], manana [idear no Supremo] e nidi-dhyásana [meditar no Supremo com um fluxo ininterrupto da mente].

 Sabemos que a faculdade vibracional transforma ondas mais sutis em ondas mais densas na fase da criação. Hari kathá [conversa devocional] proporciona vibrações mais sutis. Você deve permitir-se receber essas ondas mais sutis. Já foi dito que as ondas sonoras são as mais sutis na sequência da expressão Cósmica. A importância de Hari kathá no desenvolvimento espiritual é grande. Ouvir a respeito de Deus é muito mais importante do que estudos sobre espiritualidade, uma vez que o som é mais sutil do que a forma visual. Portanto, sempre que tiver oportunidade, ouça o nome Dele e fale-o para outras pessoas. 

   Quando você fala o nome Dele para outros, você também o ouve. Esse duplo desfrute ao recitar o nome Dele é chamado de kiirtana. Bhajana, por outro lado, é quando você ouve sozinho o nome Dele².  Você deve fazer ambos: tanto bhajana quanto kiirtana. Isso é shravana. O efeito de shravana é que vibrações sonoras que estão se movendo do denso para o sutil são colocadas em movimento contra o fluxo da faculdade vibracional, no qual os sons mundanos se movem do sutil para o denso. Isso vai colocar um fluxo de sons em movimento reverso, o que irá levar a pessoa até o ponto inicial da faculdade vibracional. 

   Eu já afirmei que o ponto inicial da faculdade vibracional e o ponto culminante da faculdade primordial são um só e o mesmo. Vocês irão portanto atingir o ponto culminante da faculdade primordial. A fase vibracional é chamada de bhava – também bhava ságara ou bhava párávára [oceano da criação]. A palavra bhava consequentemente designa o reino inteiro do princípio vibracional. Esta é a esfera dos envolvimentos mundanos. O Caetanya ou Princípio Cognitivo dessa faculdade {vibracional} é chamado de Bhava, e a Shakti ou Princípio Operativo dessa faculdade {vibracional} é chamada de Bhavánii Shakti. Essa é a amarra mundana. Somente através de Hari kathá consegue-se atravessar esse oceano de bhava – o domínio inteiro da faculdade vibracional.

   Em seguida vem manana, isto é, pensar somente em Parama Puruśa e em mais ninguém. Se vier à sua mente o pensamento de qualquer outra pessoa ou coisa, atribua a qualidade de Brahma a essa pessoa ou coisa. Esse processo é manana; você aprende este processo por meio do Guru Mantra³.  O efeito de manana será levar você gradualmente do último ponto do princípio ou faculdade primordial até o ponto inicial da faculdade primordial. 

   Nesse ponto você encontra a faculdade básica ou princípio básico. O princípio ou faculdade básica é um ponto no triângulo não-equilibrado de forças. Ele está situado em um vértice específico do triângulo de forças. Manana pode levar você até esse ponto. O que então resta é o ponto da qualidade de “eu”  , o ego. Agora temos que remover essa qualidade de “eu”.

   Todos os pesos, todas as confusões, todas as considerações de respeito e desrespeito, tudo está ligado ao “eu”. Quando alguém discorda de você, você abre um processo judicial contra a pessoa. Por que você se dá a esse trabalho? Somente para provar que você está certo. Todos os incômodos e frustrações são somente devido ao ego individual. O fato é que mesmo depois de entregar tudo a Parama Puruśa, o seu arqui-inimigo – o “eu” – ainda permanece. Porque você dirá: “Eu entreguei tudo a Deus”. “Eu”, “eu”, “eu” – meu amigo, entregue esse “eu” a Deus. Somente assim a sua entrega será completa. Todos os problemas ocorrem por causa desse “eu”.

 Ratnákarastava grhaḿ grhińii ca padmá Deyaḿ kimapi bhavate Puruśottamáya Ábhiiravámanayanápahrtamánasáya Dattaḿ mana yadupate tvamidaḿ grháńa. 

[A Tua morada está transbordando de pedras preciosas e jóias. A deusa da fortuna é a Tua guardiã. O que posso Te oferecer, ó Senhor? Ah sim, existe uma coisa que Te falta, já que foi roubada pelos Teus devotos: a Tua mente. Portanto ofereço minha mente a Ti. Por favor aceite-a.] 

   Depois da entrega desse “eu”, Parama Puruśa fica satisfeito, pois você chegou ao ponto central do triângulo de forças

   Realmente a única tarefa a ser feita é entregar tudo a Ele. Tudo o que você possui – seu corpo, seu nome, fama, riqueza, tudo – você recebeu Dele. Então, o que você deve dar a Ele e como você fará isso? Até aqui você só estava devolvendo a Deus coisas que já pertenciam a Ele. Agora o que você tem que dar a Ele é algo que seja seu. Esse é o ponto crítico. Suponha que alguém lhe dê uma flor de presente e você lhe devolva a mesma flor.  Isso não é certo. Por que não dar o seu “eu” a Ele, que de qualquer forma é a fonte de todos os seus problemas, confusões e complicações? Não há nada mais precioso para você do que esse “eu”. Entregá-lo é a coisa mais difícil. Portanto, no shloka acima o devoto exclama:

 “Ó Senhor, este universo é a Tua morada. Ele está repleto de jóias preciosas. Tudo de valioso que existe neste mundo pertence a Ti. Então, qual presente precioso eu poderei Te dar? Tu não tens desejo de nada. Qual é o sentido em oferecer algo a alguém cuja casa está repleta de jóias preciosas? A toda-poderosa Prakrti é a Tua própria esposa; ao Teu desejo Ela fará inúmeras jóias em um instante: aghat́ana ghat́ana pat́iiyasii Máyá [„a habilidosa mão de Mayá, que consegue criar até mesmo coisas impossíveis de criar‟] – esse poder criativo está sempre pronto para Te servir. Ó Senhor dos senhores, embora eu anseie por Te oferecer algo, não sei o que poderia ser. Ainda que eu queira oferecer, Tu não tens desejo ou necessidade. Se nada Te falta, o que posso oferecer? Se eu soubesse de algo que Tu não tens, eu iria oferecer isso a Ti.” 

“Ó Senhor dos senhores, ouvimos dizer que Teus grandes devotos roubaram a Tua mente de Ti. O Senhor se torna o escravo dos Seus devotos. Um devoto rouba o coração do Senhor – quase que à força. Isso é feito abertamente, e não em segredo. Então, ó Senhor, tem uma coisa que Te falta: Tu não tens mente.” 

   O devoto diz: “Não Te desesperes, ó Senhor, eu estou Te oferecendo minha mente. Por favor a aceite.” 

  Essa oferenda da própria mente da pessoa ao Senhor é nididhyásana. O sentido intrínseco de nididhyásana é que todas as propensões da mente devem ser concentradas em um ponto que será oferecido a Parama Puruśa.

   Atualmente a mente humana consiste em cinqüenta propensões dominantes. Quando a estrutura humana ficar mais complexa ao longo da evolução, certamente o número dessas propensões também aumentará. O número desses vrttis não irá ficar em cinqüenta para sempre; ele irá aumentar. Similarmente, o número de glândulas aumentará, e também o número de subglândulas. E não apenas haverá aumento no número de propensões mentais: as propensões também sofrerão mudanças. O conceito de beleza também mudará com a mudança de perspectiva da mente humana. Uma coruja poderá então parecer bonita e um pavão, feio. 

  Portanto, shravana capacita a pessoa a cruzar a faculdade vibracional. Manana permite que ela cruze a faculdade primordial. E nididhyásana torna possível fundir-se na Entidade Suprema. Isso é a realização de Deus. Assim, o ponto essencial é despertar o mantra, independentemente de a pessoa fazer coisas intelectuais como ler e escrever ou não. O que é importante é ter shravana, manana e nididhyásana apropriados. Se a pessoa fizer isso, ela não mais achará difícil aprender a fazer qualquer coisa. Mantra caetanya com certeza conduzirá a mantra siddhi – à realização da meta suprema. O processo da sádhaná automaticamente irá despertar a devoção. 

   Quando você entrar em contato íntimo com a Entidade Suprema, você verá que não possui riqueza maior que a devoção. Todas as posses mundanas irão mostrar-se sem valor. Somente a devoção permite que você entre em contato íntimo com Ele. Essa é a meta da vida humana. Esse é o verdadeiro progresso. Você tem vagueado pelo labirinto por uma miríade de vidas. 

   Você tem avançado sempre em direção a esse estágio. Consciente ou inconscientemente, você está sendo atraído para Ele. Esse é o ápice da vida. Enquanto você não O tiver realizado, não haverá siddhi na sua vida. 


¹Nota do Tradutor (N.T.): Tradução do trecho final do discurso “Mantra Caetanya”. A presente tradução consiste na expansão e revisão da tradução existente no capítulo “Voltando para o Lar” do livro A Graça do Senhor – Parte 1, publicado em português.
²Nota do Editor da versão em inglês (N.E.): Kiirtana, assim como bhajana, pode ser praticado individualmente, mas é preferível praticá-lo coletivamente. 
³N.E.: Uma lição de meditação da Ananda Marga.
N.T.: O termo em inglês é “I”-hood. Em outro discurso o autor identifica o ego com ahaḿtattva ou o eu agente (“eu faço”) – diferente do sentimento puro de “eu” (mahattattva, “eu sou”) e do eu objetivado (citta, “eu fiz”). 5 N.E.: Quer dizer, você progrediu do princípio básico em um dos vértices do triângulo até Puruśottama, no ponto central do triângulo.

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Este texto é a tradução do trecho final do discurso “Mantra Caetanya”. A presente tradução consiste na expansão e revisão do texto intitulado “Voltando para o Lar”, no livro A Graça do Senhor – Parte 1, publicado em português. Tradução complementar e revisão: Mahesh, Petrópolis, 04 e 05/fev/2017. Título do discurso integral: “Mantra Caetanya” Fonte: Edição Eletrônica das Obras de P. R. Sarkar – versão 7.5 (em inglês). Publicado em: Ananda Marga Ideology and Way of Life in a Nutshell Part 11 [a compilation] Bábá's Grace [a compilation] {contém apenas uma parte resumida e adaptada do discurso integral} Discourses on Tantra Volume One [a compilation] Subháśita Saḿgraha Part 10 [unpublished in English] Supreme Expression Volume 1 [a compilation] 

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