Fui iniciado na Ánanda Márga no ano de 1975, em Porto Alegre, quando estudava na escola de técnicas agrícolas - ETA, em Viamão, RS, e após três anos de práticas espirituais contínuas, minha relação devocional era exclusivamente do tipo impessoal.
Fazia minhas práticas espirituais regularmente, porém meditava sempre com um Pratik (símbolo ideológico adotado pela Ánanda Márga, e que significa Auto-realização e Serviço ao Universo) à minha frente, pois a fotografia de Bábá não me inspirava nenhuma devoção específica. Isto em parte acontecia em razão da influência das idéias de J. Krishnamurti, adotadas por mim até então, e com as quais buscava estabelecer um paralelo com os revolucionários pensamentos sociais, filosóficos e espirituais de Shrii Shrii Ánandamúrtijii.
AUTO-REALIZAÇÃO E SERVIÇO AO UNIVERSO |
Barábhayá Mudrá |
Neste mesmo dia, durante a noite houve um programa cultural previsto na agenda do retiro, denominado katha kiirtan, com histórias devocionais sobre Bábá. Nesse programa, como de rotina, foi feito um círculo, acendendo-se várias velas em uma sala escura, em torno das 10:00 horas das noite, com diversos ácáryas contando histórias devocionais e inspirativas sobre Bábá, alternadas com kiirtans entre cada uma destas estórias. Durante determinado momento, eu estava meditando muito emocionado, tanto pelas histórias inspirativas contadas quanto pela experiência de Sua revelação anterior, quando num determinado momento senti a presença de Bábá no alto, sobre o círculo do grupo, com todos sentados. Daí Bábá foi descendo, descendo lentamente até fundir-Se em meu corpo em particular. Durante este momento, experimentei uma extraordinária sensação de Unidade plena com Bábá e de Infinitude, de algo não dimensionável, ou seja, algo impossível de descrever, mais ou menos assim; uma sensação de como eu fosse uma montanha muito, muito grande, por exemplo, como o Himalaia, e sentindo profundamente um estado de união muito gratificante, de beatitude e íntima relação com o meu guru Bábá, algo até então nunca experimentado por mim.
Curiosamente, há mais ou menos um mês atrás eu havia pedido intimamente a Bábá, em minhas meditações diárias, por uma revelação Sua, devido exatamente por sentir falta de uma relação mais íntima e pessoal com Ele, como comentado no início, já que, como disse, eu havia sido iniciado já há 3 anos mas não possuía nenhuma relação devocional especificamente com Ele, ou melhor, personalizada n’Ele, pelo contrário era totalmente impessoal, o que começou a mudar radicalmente a partir desta gratificante experiência.
Quando cheguei à jágrti em Buenos Aires, após ler um determinado texto místico denominado de Desideratum, encontrado aleatoriamente sobre uma mesa, tive um insight com o entendimento claro de que, quando nós sentimos complexo de superioridade, um sentimento de arrogância surge naturalmente em nossa mente, impedindo-nos de realizar qualquer trabalho coletivo. Da mesma forma, quando o complexo de inferioridade nos domina, isto nos torna impotentes, diminuindo assim a nossa disposição psíquica para a ação e serviço social. Neste momento, de súbito, tive um outro insight – “Tudo é manifestação de Deus, e portanto, ninguém neste universo é superior ou inferior”. E em seguida, somente por Sua inspiração, obtive mais um outro insight – “O kiirtan é a melhor ferramenta para a manutenção desta sublime idealização, possibilitando de forma prática aos devotos tal sentimento de Unidade com o Todo de forma contínua e permanente, pois como sugere o significado do mantra Bábá nám kevalam – Tudo é manifestação d’Ele, Somente o pensamento n'Ele."
Logo em seguida, caminhava tranqüilamente buscando conhecer a nova jágrti, já em um certo estado de graça motivado por tais insights, quando, ao abrir a porta de um determinado quarto, encontrei dois dádás avadhutas fazendo kiirtan lalita totalmente em um estado de enlevo devocional.
Este especifico kiirtan em particular que eles cantavam subitamente me afetou de forma profunda, pois a sensação que tive era a de que eles estavam dançando em pleno e sublime Samadhi. Daí em diante este kiirtan magicamente permaneceu em minha mente, como se fosse uma gravação mental interna, e que tocava de forma automática e ininterrupta. Algo, portanto absolutamente inexplicável, e que, com o kiirtan mental soando continuamente em minha mente, acentuava ainda mais o insight da concepção de que "Tudo é Ele", ninguém é superior, ninguém é inferior.
Alguns dias após, Bábá explicou sobre este mesmo assunto durante Seu segundo darshan em Caracas, quando disse:
“Vejam vocês, uma pessoa nunca deve ser dominada por nenhum tipo de complexo, ou seja, o aspirante espiritual deve estar livre de todos os tipos de complexos — complexo de superioridade, complexo de medo, complexo de derrota e complexo de inferioridade. Quer dizer, a mente deve estar completamente equilibrada. Agora, quando se sofre de algum complexo de superioridade, você se acha melhor que os outros. Como resultado disso, você se torna incapaz de perceber de uma maneira apropriada as ondas externas. Dessa maneira, seus pensamentos contaminados se tornam distorcidos e, como resultado disso, muitos outros processos mentais, como a memória, deformam-se e debilitam-se. Você não deve ter nenhum complexo de superioridade. Você deve aprender que não é superior a ninguém. Todos são crianças do Pai Supremo, todos são descendentes do criador supremo. Ninguém é superior a ninguém.”No dia seguinte finalmente chegou à notícia que Bábá visitaria apenas Caracas na Venezuela, pois a Argentina, assim como o Brasil, havia negado Seu visto de entrada. Diante de tal notícia muitos Dadas e márgiis ficaram altamente contrariados, pois havia sido anunciado que Bábá definitivamente não viria a Buenos Aires. No entanto, na minha sádhana em particular, já totalmente absorto na idéia do Todo pelo kiirtan que se expressa por si mesmo em minha mente, tanto quanto pelos insights, pouco me importava tal situação da negação de Seu visto pela embaixada argentina, da Sua não presença física entre nós, pois no meu íntimo Sua divina presença acontecia de forma contínua e interna. Assim que, após minha meditação matinal iniciei meu Guru Pújá (um mantra cantado com mudrás através do qual o devoto oferece seu Ego e apegos ao Guru), e ao colocar todas as minhas expectativas nesta entrega, tive então um curiosa sensação de que Bábá estava sorrindo amorosamente, de forma real através da foto colocada no altar a minha frente. Tal sensação imediatamente me emocionou intensamente, pois quanto mais eu olhava para a foto de Bábá, na tentativa de ter certeza desta inédita situação, mais ainda Ele amorosamente sorria de minha particular situação de espanto e surpresa. De imediato uma onda vibracional começou na altura de meu peito e garganta, no meu anáhata cakra e principalmente no vishuddha cakra, os quais começaram a pulsar como se fossem corações, fazendo-me chorar compulsivamente. E assim, sentido sua divina presença, após o Guru Pujá, mesmo assim fiz todas as demais práticas de rotina, como kaoshikii, tandava e asanas sempre completamente emocionado e internamente chorando compulsivamente em êxtase, em razão da Sua bem-aventurada e contínua presença.
No ônibus, durante minha volta para o Brasil, a sensação da presença de Parama Purus'a continuou forte em minha mente, sempre com a sublime sensação de Sua Suprema proteção e presença espiritual contínua e universal, bem como o som do kiirtan que por si só continuava ocorrendo mentalmente. Durante esta viagem, inspirado por Ele, decidi fazer o meu segundo treinamento para LFT, agora em Porto Alegre, e lá, nas minhas sádhanás diárias e durante o curso, freqüentemente gozava da mágica presença de Bábá. Bábá não esteve presente fisicamente em Buenos Aires, porém, somente por Sua Graça, Ele lá esteve sim, de forma espiritual, de forma particular e toda especial.
Ramesh - Acre/1996