Quase todos os países do mundo chegaram a algum tipo de
estrutura democrática. A democracia liberal se estabeleceu em
certos países, entres os quais EUA, Inglaterra, França
e Canadá, enquanto que na [ex-]União Soviética,
China, Vietnã e Europa Ocidental a democracia socialista é
o sistema dominante. A condição do povo em países
liberais democratas (ditos democráticos) não é
tão miserável como em países comunistas, porque
em países comunistas, o sistema político e econômico
é imposto à sociedade por autoridades do partido,
causando sofrimentos humanos indescritíveis e severa
exploração psico-econômica. Ambas, a democracia e
a social-democracia, podem ser consideradas formas de democracia
política, porque esses sistemas são baseados em
centralização política e econômica.
Democracia
Política
Em todos os países onde a democracia está em vigor, o
povo tem sido lesado ao acreditar que não há melhor
sistema do que a democracia política. A democracia política
sem dúvida garantiu o direito ao voto, mas tomou o direito de
igualdade econômica. Conseqüentemente, há uma
flagrante disparidade entre ricos e pobres, imensa desigualdade no
poder de compra do povo, desemprego, falta crônica de alimento,
pobreza e insegurança na sociedade.
O tipo de democracia prevalecente na Índia também é
a democracia política, e este provou ser um sistema singular
de exploração. A constituição indiana foi
criada por três grupos de exploradores: os imperialistas
britânicos, os imperialistas indianos e os partidos governantes
que representavam os capitalistas indianos. Todas as disposições
da constituição indiana foram moldadas de acordo com os
interesses desses oportunistas. Simplesmente para enganar as massas,
o povo foi agraciado com o direito de sufrágio universal.
Milhões de indianos são pobres, supersticiosos,
analfabetos; ainda assim os exploradores, através de práticas
como fazer falsas promessas, intimidação, abuso
grosseiro do poder administrativo e voto fraudulento, repetidamente
conquistam o eleitorado. Esta é a farsa da democracia. Uma vez
que eles formam o governo, eles têm amplas oportunidades de se
envolver em excessiva corrupção e tirania política
por cinco anos. Nas eleições subsequentes - seja em
nível de município ou de estado - o mesmo absurdo é
repetido.
Esse tipo de oportunismo político tem continuado na Índia
desde a independência. Nos últimos 35 anos os partidos
políticos convenceram-se de que para obter igualdade econômica
com os países industrialmente desenvolvidos da Europa, a Índia
precisa seguir o sistema democrático. Para apoiar este
argumento, eles citam os exemplos de EUA e Grã-Bretanha ou
China e [ex-]União Soviética. Os políticos
compelem o eleitorado a votar a seu favor na época das
eleições, propagando a plataforma de que a massa
faminta do país poderá colher os benefícios de
uma economia desenvolvida. Mas, uma vez que as eleições
passam, a exploração das massas continua desenfreada
com a roupagem de democracia política, e outras áreas
da vida social são totalmente negligenciadas. Hoje milhões
de cidadãos indianos estão privados dos requisitos
básicos da vida e lutam por alimento, vesiuário,
habitação, educação e tratamento médico
apropriados, enquanto uma minoria esbalda-se em riqueza e luxo.
Um dos mais óbvios defeitos da democracia é que a
votação está baseada no sufrágio
universal. Ou seja, o direito de votar depende da idade. Uma vez que
as pessoas atingem uma certa idade, assume-se que elas tenham a
capacidade apropriada para pesar os prós e os contras nos
temas de uma eleição e selecionar o melhor candidato.
Mas há muitas pessoas com a idade acima daquela estabelecida
como limite para a votação que têm pouco ou
nenhum interesse em eleições e não estão
familiarizadas com os temas sociais ou econômicos. Em muitos
casos, elas votam mais no partido do que no candidato e são
influenciadas pela propaganda eleitoral ou pelas falsas promessas dos
políticos. Aqueles que não alcançaram a idade de
votar são, freqüentemente, mais aptos a selecionar o
melhor candidato do que aqueles que têm o direito ao voto.
Portanto, a idade não deveria ser o critério para o
direito ao voto.
Normalmente, se um candidato se elege ou não, isto depende de
mobilização partidária, patrocínio
político e doações eleitorais. Em alguns casos
também depende de práticas anti-sociais. Em todo o
mundo, o dinheiro desempenha um papel dominante no processo eleitoral
e, em quase todos os casos, somente aqueles que são ricos e
poderosos podem ter a esperança de conquistar um cargo
político. Naqueles países onde a votação
não é compulsória, somente uma pequena
percentagem da população participa do processo
eleitoral.
Os pré-requisitos para o sucesso da democracia são:
moralidade, educação e consciência
político-socioeconômica. Em particular, os líderes
precisam ser pessoas de caráter elevado, caso contrário
o bem-estar da sociedade será prejudicado. Mas hoje, na
maioria das democracias, pessoas de caráter duvidoso e com
interesses escusos são eleitas para o poder. Mesmo bandidos e
assassinos candidatam-se à eleição e formam o
governo.
Em quase todos os países do mundo falta a consciência
política às massas. Políticos astutos e eruditos
tiram vantagens desta deficiência para confundir as pessoas e
alcançar o poder. Eles recorrem a práticas imorais,
tais como suborno, propaganda de boca de urna, roubo de urnas e
compra de votos e permanecem sem oposição nas eleições.
Conseqüentemente, o padrão de moralidade na sociedade
está diminuindo e as pessoas honestas e competentes estão
relegadas a segundo plano. Líderes moralistas têm
menores chances de vencer eleições, porque os
resultados eleitorais são fraudados através de
expedientes financeiros, intimidação e força
bruta. No sistema democrático atual, são dadas
oportunidades a toda sorte de práticas imorais e corruptas
para perverter a sociedade. A própria natureza do presente
sistema é favorecer os capitalistas e submeter o governo a
forças imorais e corruptas.
A farsa da democracia assemelha-se a um teatro de fantoches onde uma
meia dúzia de políticos ávidos de poder
manipulam os cordões por detrás da cena. Nas
democracias liberais, os capitalistas manipulam a mídia de
massa, tais como rádio, televisão e jornais, enquanto
nas democracias socialistas os burocratas levam o país à
beira da destruição. Em ambas as formas de democracia,
há poucas chances de que líderes honestos e competentes
surjam na sociedade e virtualmente não há nenhuma
possibilidade de liberação econômica para o povo.
A democracia política tornou-se um grande embuste para as
pessoas, em todo o mundo. Ela promete o advento de uma era de paz,
prosperidade e igualdade, mas na realidade ela cria criminosos,
encoraja a exploração e arremessa as pessoas comuns num
abismo de tristeza e sofrimento.
Os dias da democracia política estão contados. PROUT
exige a democracia econômica, não a democracia política.
Para fazer com que a democracia seja bem-sucedida, o poder econômico
deve estar nas mãos das pessoas comuns e os requisitos básicos
da vida devem ser garantidos a todos. Esta é a única
maneira de assegurar a liberação econômica do
povo. O slogan de PROUT é: "Para acabar com a exploração
nós exigimos a democracia econômica, e não a
democracia política".
Na democracia econômica, o poder político e o poder
econômico formam uma bifurcação. Isto é,
PROUT prega a centralização política e a
descentralização econômica. O poder político
deve ficar a cargo de moralistas, mas o poder econômico deve
ficar a cargo das pessoas do local. A principal meta do governo
consiste em remover dificuldades e obstáculos que impeçam
o povo de obter os requisitos econômicos. O objetivo universal
da democracia econômica é garantir as necessidades
mínimas da vida a todos os membros da sociedade.
A natureza tem sido suficientemente caridosa em suprir com recursos
naturais abundantes cada região desta terra, mas ela não
deu as diretrizes de como distribuir estes recursos entre os membros
da sociedade. Esta obrigação foi deixada a critério
da inteligência dos seres humanos. Aqueles que são
guiados por desonestidade e egoísmo e têm mentes
perversas fazem mau uso destes recursos e os utilizam para seus
interesses individuais ou de grupo, ao invés de os utilizar
para o bem-estar de toda sociedade. Os recursos materiais são
limitados, mas os anseios humanos são ilimitados. Por esta
razão, para que todos os membros da sociedade vivam em paz e
prosperidade, os seres humanos devem adotar um sistema que assegure a
máxima utilização e a distribuição
racional de todos os recursos. Para alcançar isto, os seres
humanos devem estabelecer-se na moralidade e então criar um
ambiente propício ao florescimento da moralidade.
Descentralização econômica significa produzir
para o consumo, e não produzir para o lucro. A
descentralização econômica não é
possível sob o capitalismo, porque a produção
capitalista sempre procura maximizar o lucro. Os capitalistas
invariavelmente produzem ao custo mínimo e vendem ao preço
máximo. Eles preferem a produção centralizada, o
que leva a disparidades econômicas e desequilíbrios na
distribuição da população. [Nota: no
caso do Brasil, um exemplo é o êxodo rural causado pelos
grandes agronegócios exportadores.] Na descentralização
econômica de PROUT, por outro lado, a produção é
para o consumo e as necessidades mínimas da vida serão
garantidas a todos. Todas as regiões terão as condições
plenas de desenvolver seu potencial econômico, de modo que os
problemas referentes a população flutuante ou
superpopulação em centros urbanos não surgirão.
A menos que alcance os níveis ideais de desenvolvimento da
indústria e dos outros setores da economia, um país não
poderá se tornar altamente desenvolvido. Se um país
tiver pessoas empregadas no setor agrícola numa percentagem
que exceda o nível ideal, que é de 30 a 45%, haverá
pressão excessiva no campo. Tal país não poderá
tornar-se altamente desenvolvido, nem tampouco haverá
desenvolvimento equilibrado e descentralizado em todos os setores da
economia. A Índia é um clássico exemplo disto.
Cerca de 75% da população da Índia depende da
agricultura para sua sobrevivência.
Em alguns países democratas, tais como o Canadá e a
Austrália, uma grande percentagem da população
está empregada na agricultura e embora esses países
sejam considerados desenvolvidos na agricultura, eles dependem de
países industrialmente desenvolvidos, porque eles próprios
são industrialmente sub-desenvolvidos. Por exemplo, o Canadá
tem sido tradicionalmente dependente dos EUA, e a Austrália,
da Grã-Bretanha.
No que diz respeito à Índia, enquanto cerca de 75% da
população estiver empregada na agricultura, a
insuportável condição econômica do povo
irá continuar. Qualquer país que se situe em tais
condições achará muito dificil cumprir suas
responsabilidades domésticas e internacionais. O poder de
compra do povo continuará diminuindo, enquanto que a
disparidade econômica continuará aumentando. O ambiente
social, econômico e político de todo o país irá
se degenerar. A Índia é um claro exemplo de todos essas
deficiências. Logo, descentralização econômica
não significa que a maioria da população venha a
ser dependente da agricultura como meio de vida ou que outros setores
da economia permaneçam subdesenvolvidos. Preferivelmente, cada
setor da economia deve empenhar-se por um máximo
desenvolvimento e todos os setores devem empenhar-se por uma
descentralização máxima.
Em todos os países democráticos do mundo, o poder
econômico está concentrado nas mãos de alguns
indivíduos e grupos. Nas democracias liberais o poder
econômico é controlado por uma meia dúzia de
capitalistas, enquanto que nos países socialistas o poder
econômico está concentrado num pequeno grupo de líderes
de partido. Em cada caso, uma meia dúzia de pessoas - o número
pode ser facilmente contado na ponta dos dedos - manipula a riqueza
econômica de toda a sociedade. Quando o poder econômico
estiver depositado nas mãos do povo, a supremacia deste grupo
de líderes será extinta, e os partidos políticos
serão destruídos para sempre.
As pessoas terão de optar entre democracia política ou
democracia econômica. Isto é, elas terão de
escolher um sistema socioeconômico baseado ou numa economia
centralizada, ou descentralizada. Qual delas elas irão
selecionar? A democracia política não pode preencher as
esperanças e aspirações do povo ou proporcionar
a base para construção de uma sociedade humana forte e
saudável. A única maneira de alcançar isto é
estabelecer a democracia econômica.
Requisitos
para a Democracia Econômica
O primeiro requisito para democracia
econômica é que as necessidades mínimas de uma
determinada época - alimento, vestuário, habitação,
educação e tratamento médico - devem ser
garantidas a todos. Isto não apenas é um direito
individual, mas também uma necessidade coletiva, porque a
disponibilidade das necessidades mínimas aumentará a
prosperidade global da sociedade.
O segundo requisito para a democracia econômica é que um
poder de compra crescente deve ser garantido a todo e qualquer
indivíduo. Na democracia econômica as pessoas do local
possuirão o poder econômico. Conseqüentemente, as
matérias-primas locais serão usadas para promover a
prosperidade econômica das pessoas do local. Isto é, as
matérias-primas de uma "unidade socioeconômica"
não devem ser exportadas para outra unidade. Ao invés
disto, centros industriais devem ser construídos onde quer que
as matérias-primas estejam disponíveis. Isto criará
indústrias para o processamento de matérias-primas
disponíveis no local e assegurará o pleno emprego para
todo o povo da região.
O terceiro requisito para a democracia econômica é que o
poder de tomar todas as decisões econômicas deve ser
colocado nas mãos das pessoas do local. A liberação
econômica é um direito inato de todo indivíduo.
Para obtê- la, o poder econômico deve estar colocado nas
mãos de pessoas da região. Na democracia econômica
as pessoas do local terão o poder para tomar todas as decisões
econômicas, para produzir as mercadorias com base nas
necessidades coletivas e para distribuir todas as mercadorias
agrícolas e industriais.
O quarto requisito para uma democracia econômica é que
os imigrantes devem ser rigorosamente impedidos de interferir na
economia local. [Nota: O termo
“imigrantes” é usado aqui por Sarkar para referir-se
àquelas pessoas que não aceitam unir seus interesses
socioeconômicos com os da região em questão,
sejam nascidas ali ou não. Por outro lado, quem aceitar isso
será considerado como “pessoa do local”, independente de
onde tenha nascido.] A evasão
de capital do local deve ser interrompida com uma rigorosa prevenção
quanto à participação de imigrantes ou de
populações flutuantes em qualquer tipo de atividade
econômica na área local.
Para o sucesso da democracia econômica, PROUT deve ser
implementada e o bem-estar de todas as pessoas deve ser aumentado
passo a passo. Isto por sua vez conduzirá os seres humanos a
maiores oportunidades de emancipação espiritual.
Finalmente deve ser lembrado que a democracia econômica é
essencial não só para a liberação
econômica dos seres humanos, mas para o bem-estar universal de
todos - incluindo plantas e animais. A democracia econômica
planejará maneiras e meios para efetuar o suave progresso da
sociedade, reconhecendo o valor único tanto de seres humanos
como de seres não-humanos.
P.R.SARKAR - Calcutá, junho de 1986.
[Prabhat Ranjan Sarkar. Democracia Econômica
– Teoria da Utilização Progressiva. Cap. 22:
Democracia Econômica. São Paulo: Ananda Marga
Publicações, 1996 (1992).]