Shrii
Shrii Anandamurti
DMC
em Bhuvaneshwar, 20 de julho de 1979.
O assunto do discurso
de hoje é ” Ádarsha e Iśt́a”.
Agora, o que é
Ádarsha e o que é Iśt́a?
Todos nós estamos
constantemente em mudança: toda e cada entidade do universo, desde os enormes
dinossauros até a menor folha de grama, está em um estado de constante
movimento. Nada está fixo, nada é estático. Movimento é vida e pericibilidade é
a lei natural do universo. Quanto todas as coisas estão em um estado de
movimento, então qual é o objetivo do movimento? Cada movimento certamente tem
um certo ponto final, e esse ponto final é ádarsha. Os seres humanos
também estão movendo-se, mas para moverem-se adiante eles algumas vezes precisam
de energia. Mas de onde vem essa energia? A fonte de toda energia é Parama
Puruśa [a Consciência Suprema]. Com a energia Dele, todas as entidades
estão movendo-se. Nenhum ser vivo tem sua própria energia: dotado com a energia
de Parama Puruśa, cada um move-se adiante em direção ao seu
ádarsha.
Existe alguma diferença
entre ádarsha e iśt́a?
Essa é de fato uma
questão complicada.
Ádarsha é aquilo que é o próprio objetivo
em direção ao qual todas as entidades movem-se. A palavra ádarsha [em
sânscrito]
é derivada de á – drsh + ghaiṋ;
quando o sufixo feminino uniiś é
adicionado à palavra
ádarsha, obtém-se a palavra ádarshii, que significa “um espelho”.
Ádarsha é aquilo que os seres humanos desejam
tornar-se.
Os seres humanos estão
em constante mudança, mas a questão é: qual é o ponto culminante, o ponto que
eles atingem no final do seu movimento? Pegue o caso de uma criança pequena: ela
sempre é fraca e sem força. Se ela quiser ficar forte, ela terá de submeter-se a
exercícios físicos regulares. Se a criança crescer forte e poderosa através de
exercícios físicos, isso é o ádarsha dela – quer dizer: ádarsha é
um estado dotado de qualidades particulares.
Agora, quando os seres
humanos não se movem em direção a esse estado, o que acontece? Há pouco eu disse
que movimento é a lei do universo. É um decreto providencial que o movimento
seja uma necessidade para todos: caraeveti, caraeveti – “sigam
adiante, sigam adiante”. Naturalmente os seres humanos têm que continuar
movendo-se incessantemente. Mas suponha que uma pessoa não tenha um objetivo;
então o movimento dela será como o de um navio sem leme navegando em um mar
tempestuoso. Se você ficar remando um bote sem um objetivo determinado, todo o
seu trabalho será em vão, todo o seu tempo será desperdiçado e você também
correrá o risco de ficar preso em um redemoinho. Portanto, os seres humanos
devem sempre ter um ádarsha – uma ideologia às suas
frentes.
Agora, o que é
iśt́a?
A palavra iśt́a
tem dois significados: a entidade que você mais ama, ou que é a sua favorita, é
o seu iśt́a. Agora a questão é: qual é o objeto mais preferido? Cada
microcosmo tem um sentimento existencial de “eu”, e cada sentimento microcósmico
de “eu” é uma expressão do sentimento mais amplo de “eu”. Agora, cada microcosmo
tem dois “eus”: um é o pequeno “eu” e o outro é o “eu” maior. Parama
Puruśa é o “eu” maior; o “eu” pequeno é a felicidade finita, enquanto que o
“eu” maior representa a felicidade infinita. Cada microcosmo deseja felicidade
finita, mas o objeto mais querido de todos é a felicidade infinita. A felicidade
finita é um assunto individual, ao passo que a felicidade infinita é um assunto
universal. A felicidade infinita é aquele aspecto de Parama Puruśa que
em geral é chamado de Deus Pessoal.
De acordo com a
filosofia, a Entidade Suprema que controla este universo é Parama
Puruśa; Ela também é o núcleo da ordem cosmológica. Mas o Parama
Puruśa da filosofia, o eixo do universo, é uma entidade sem forma,
impessoal, enquanto que os seres humanos sempre preferem um Deus pessoal que
eles possam amar, e a quem eles possam contar os prazeres e dores das suas
vidas. Os seres humanos não conseguem sentir amor e afeição extremos por um Deus
ou uma filosofia impessoais, porque isso é apenas um conceito metafísico e o
coração humano não consegue identificar-se plenamente com uma idéia abstrata.
Eles querem um Deus pessoal a quem possam expressar plenamente seus sentimentos
e emoções. Essa é uma necessidade absoluta. Os seres humanos não procuram pelo
Deus deles em nebulosas e meteoros distantes – eles O procuram bem próximo
deles; precisamente em meio a eles. Eles querem aceitá-Lo totalmente como o seu
abrigo na vida. No jogo da imaginação abstrata as pessoas podem obter alguma
satisfação temporária, mas não paz duradoura. O Deus da filosofia não pode
proporcionar satisfação completa aos anseios internos profundos das pessoas:
elas querem Alguém a quem possam abrir seus corações. Uma tal entidade é o
iśt́a da
pessoa.
Qual é a diferença
entre dharma e iśt́a?
Aquilo que sustenta é
[chamado de] dharma:
Yah dhárańaḿ karoti
sah dharma.
Dhriyate dharmah ityáhuh sa eva
paramaḿ prabhuh.
Um microcosmo é
distinguido pela sua propriedade inata: nós dizemos “isto é oxigênio” por causa
que ele tem tais e tais características. Nós dizemos “isto é fogo” porque ele
tem sua propriedade intrínseca. Similarmente, o ar também tem a sua propriedade
singular. E dessa forma, cada objeto no universo é distinguido por sua
característica peculiar. Se o fogo parar de queimar, nós deixamos de chamá-lo de
fogo; se o vento parar de soprar, nós não mais o chamaremos de vento – porque a
mobilidade é sua característica inerente. Em sânscrito existem duas palavras:
nila e niila. Niila significa “cor azul”, enquanto que
nila significa “fixo, estacionário”. Se o ar estiver imóvel, então ele
torna-se nila ou estacionário, e não anila ou móvel. Portanto,
propriedades ou características inatas dos objetos permitem distinguir entre
entidades animadas e inanimadas, orgânicas e inorgânicas, móveis ou
imóveis.
Seres humanos, animais
e plantas – todos têm vida. Assim como as plantas têm certas características
comuns, animais também têm certas características comuns. Dentre as numerosas
diferenças entre plantas e animais, a maior delas é que as plantas são
relativamente estáticas enquanto que os animais são dinâmicos. Então, se as
plantas se tornarem mais dinâmicas, elas também entrarão na categoria de
animais. Agora, qual é a diferença entre seres humanos e animais? Seres humanos
seguem o Bhágavata dharma, mas os animais não. As características comuns
compartilhadas por humanos e animais são comer, dormir e morrer. Mas os seres
humanos têm a propriedade singular do Bhágavata dharma, que está ausente
nos animais. Essa é a singularidade dos seres
humanos.
Agora, se essa
característica peculiar estiver faltando aos seres humanos, então eles irão
degradar-se ao nível da animalidade; e se os animais desenvolverem essa
característica, então eles serão elevados à condição de
humanidade.
Quais são as
características especiais do Bhágavata dharma? Elas são: vistára
(expansão), rasa (fluxo), seva (serviço) e tadsthiti
(realização do Supremo).
O primeiro critério da grandeza humana é
o espírito de expansão. Os seres humanos querem dar uma expressão estética aos
seus sentimentos e propensidades internos; esse é o primeiro aspecto do
Bhágavata dharma: vistára.
Rasa significa “fluxo”. Ondas
infindáveis estão emanando do eixo da ordem cosmológica, e marulhando em cristas
e cavas em todas as direções. Essas ondas de pensamento Macrocósmicas estão
dançando de acordo com o desejo cósmico de Parama Puruśa. Os seres
humanos também estão dançando no ritmo dessas ondas estéticas [1], conforme a melodia da
doce cadência musical da flauta de Krśńa [2], enquanto Ele
permanece no núcleo do universo. Este é o segundo aspecto do Bhágavata
dharma.
O terceiro aspecto é
sevá ou serviço. Então, o que é serviço?
Prańipátena pariprashnena
sevayá. Entre os
animais não existe espírito de serviço, mas entre os seres humanos ele
certamente está presente. Prańipátena significa “através de entrega
total”. Pariprashnena significa “através de questionamentos apropriados”.
E sevayá significa “através de serviço” – quer dizer, Parama
Puruśa pode ser alcançado através de entrega total, de questionamentos
espirituais e de serviço altruísta. Parama Puruśa em Si mesmo não requer
serviço algum, mas neste universo todo e cada objeto criado é Sua prole. Se
vocês servirem às crianças de Parama Puruśa, se vocês servirem aos seres
humanos em dificuldades e aflitos, se vocês prestarem serviço integral à
humanidade nas esferas física, mental, mudana, supramundana, social e
espiritual, Parama Puruśa certamente ficará contente. Este é o
verdadeiro serviço ao Supremo. Se você quiser agradar uma mãe, simplesmente
sirva as crianças dela e ela ficará satisfeita. Este é o terceiro aspecto do
Bhágavata dharma.
Serviço é sempre
unilateral: essa é a maior diferença entre serviço e negócio, pois negócio é
mútuo: você dá algum dinheiro e pega alguma coisa – digamos, alguma leguminosa
[como feijões] – em troca. A transação é mútua. Mas serviço é bem diferente: é
sempre unilateral. Você dá algo para Parama Puruśa sem pedir nada em
troca. Quando você oferece tudo a Parama Puruśa, o que mais Ele pode
pedir? Além disso, quem é que vai pedir? Quando você ofereceu tudo a Parama
Puruśa, então você se tornou uno com Parama Puruśa e obviamente não
pode haver mais nada sobrando que se possa pedir.
O quarto aspecto do
Bhágavata dharma é tadsthiti: significa fundir a sua identidade
individual Nele, a sua Meta Suprema. Eu já disse que Parama Puruśa é
Táraka Brahma [3]; Ele é o seu
iśt́a, o seu Deus pessoal. Isto não é um conceito teórico. A mente
humana pode ficar encantada com algumas idéias filosóficas, mas o coração não se
satisfaz dessa forma. Esse Bhágavata dharma, com seus quatro aspectos, é
como uma linha de prata [4] de demarcação entre os
seres humanos e os animais. Bhágavata dharma é o dharma humano –
mánava dharma; além desse, não há outro dharma para a humanidade.
No Bhágavata
Giitá o Senhor Krśńa proclamou:
Shreyán svadharma
viguńah paradharmát svánuśt́hitát.
O que dizer do
paradharma ou “dharma dos outros”! Aqui paradharma
significa aquele dharma que é seguido pelas plantas e animais. O
dharma dos seres humanos é o Bhágavata dharma. Os animais e
plantas também têm o seu próprio dharma, mas este não deveria ser seguido
pelos seres humanos. Então o Senhor Krśńa ainda declarou:
Svadharme nidhanaḿ
shreyah paradharma bhayávaha
– a morte é preferível
do que negligenciar o próprio dharma. Jamais deveria-se seguir o
dharma de outros. Por ignorância, algumas pessoas interpretam
paradharma erroneamente como sendo dharma hindu, dharma
islâmico, dharma cristão etc., mas isso não é correto: paradharma
significa o dharma de animais e plantas.
O dharma humano
é um só: é o Bhágavata dharma. E iśt́a significa o Deus pessoal
com o qual todos os seres unitários podem estabelecer uma relação de amor e
afeição, a quem eles podem revelar suas dores e prazeres, entregarem-se e tomar
Nele o abrigo mais seguro. Esse Parama Puruśa, esse Deus pessoal não é o
Deus da filosofia. Os seres humanos não podem estabelecer um relacionamento
íntimo com algo teórico. Se alguém seguir o Bhágavata dharma fielmente, o
resultado final será a realização do Supremo – tornar-se uno com o seu
iśt́a.
Algum tempo atrás eu
disse:
Yato dharma tato
iśt́ah
Yato iśt́a tato
jayah.[5]
Quando os aspirantes
espirituais tornam-se unos com o iśt́a deles, eles deixam de ser pessoas
insignificantes; nesse caso, a felicidade finita deles é transformada em
felicidade infinita. Então, com a sua força limitada eles tornam-se capazes de
realizar tarefas gigantescas. Portanto, ainda que haja uma diferença teórica
entre ádarsha e iśt́a, na prática ambos são a mesma coisa.
Através de um esforço sem tréguas, os seres humanos podem tornar-se unos com o
iśt́a deles. Aqueles que não seguem o Bhágavata dharma são quase
como animais.
Um poeta místico
disse:
Krśńa bhajibár tare
saḿsáre áinu
Miche máyáy baddha
haye brkśa sama hainu.
Os seres humanos vieram
a esta Terra somente para seguir o Bhágavata dharma, e não por qualquer
outro propósito. Vocês têm muitas tarefas a realizar: o que quer que façam,
vocês devem sempre sentir que todas as suas ações são parte do Bhágavata
dharma. Onde quer que vocês estejam, vocês devem fazer algo para acabar com
a pobreza e as dificuldades das pessoas nessa localidade – para melhorar a
condição sócio-econômica delas. E mesmo quando estiverem fazendo as suas tarefas
dessa forma, vocês devem sempre lembrar-se que o que quer que estejam fazendo
não é uma tarefa mundana e sim uma parte inseparável do Bhágavata dharma
de vocês.
* *
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Tradução:
Mahesh – Florianópolis; 1 e 2 de junho; 20, 21 e 23 de outubro; 6 e 8 de
novembro de 2012.
Fonte:
Edição Eletrônica das Obras de P. R.
Sarkar – versão 7.5 (em inglês).
Publicado
em:
Subháśita
Saḿgraha Part 12
(obra ainda não publicada em
português)