04/01/2011

AHIM’S’A

Ahim’s’a Manová Kayaeh Sarvabhútánáma Piid’namahim’s’a.

Ahim’s’a significa não ferir ou prejudicar alguém por pensamento, palavra ou ação. Este termo é mal interpretado por muitos. Alguns supostos sábios, de fato, definem a palavra Ahim’s’a de tal maneira que seria impossível viver, não somente na sociedade, como também em florestas, montanhas e cavernas, se alguém aderisse à sua definição estritamente. Por essa interpretação da palavra Ahim’s’a, não só é proibido matar, como também não é permitida a luta para se defender. Ao lavrar a terra pode-se causar a morte de inumeráveis insetos e criaturas do subsolo, portanto, o uso do arado não seria permitido. Alega-se que aqueles que querem levar uma vida religiosa não devem usar eles próprios o arado, mas empregar pessoas de classes inferiores para fazer este serviço, salvaguardando-se assim do pecado de destruir vidas. Segundo eles, deveria ser derramado açúcar nos abrigos de formigas, não importando se os seres humanos tenham ou não alimentos; os pobres deveriam deixar que os mosquitos, inimigos natos dos seres humanos, se alimentassem do sangue de seus corpos. Esta não é a definição de Ahim’s’a, mas sim uma grande confusão. É contrária ao verdadeiro Dharma. É contra as verdadeiras leis da existência. Até mesmo o processo de respirar envolve a morte de inumeráveis micróbios; eles são seres vivos, e para salvá-los seria necessário parar de respirar. A prescrição de medicamentos aos doentes deveria ser suspensa, porque os remédios poderiam causar a destruição das bactérias causadoras de doenças. Se Ahim’s’a

fosse interpretado desta forma, onde tais intérpretes poderiam viver? Dever-se-ia suspender a filtragem da água contaminada, porque isto causaria a morte de microrganismos. Na era pós-védica este tipo de Ahim’s’a foi praticado na Índia por muito tempo e, como resultado, a vida dos cidadãos comuns tornou-se verdadeiramente insuportável. O povo sentia medo da religião dominada pela suposta Ahim’s’a e era forçado a aceitar crenças ateístas, abandonando o caminho de Dharma. Desprovidos de qualquer código de conduta e com o propósito de dar preferência primordial a seus motivos egoístas, estes ateus tornaram-se um fardo para a sociedade e para o mundo; e aqueles que quiseram manter em vigor as religiões influenciadas por essa interpretação de Ahim’s’a tornaram suas intenções inviáveis e enfraquecidas. Na presente época, existe a necessidade urgente de refletir sobre esses fatos históricos sob um novo ponto de vista.

A era pós-védica foi seguida por outra, em que foi propagada outra definição da palavra Ahim’s’a. De acordo com esta definição, Him´s´a significa causar dor aos seres vivos. Logo, a matança de animais a alimentação também deve ser considerada Him’s’a, pois os animais não oferecem a própria vida de espontânea vontade para essa causa.

Recentemente foi dada outra interpretação a esta palavra. Assemelha-se à segunda definição mencionada acima, porém falta a esta a simplicidade ou sinceridade daquela. Conforme esta interpretação, Ahim’s’a quer dizer a não-violência ou não usar a força. Possivelmente, nesta interpretação é que o significado de Ahim’s’a foi mais distorcido. Em todas as ações da vida, sejam pequenas ou grandes, a mente individual progride pelo triunfo sobre as tendências contrárias. A vida se desenvolve por meio da força. Se esta força não é devidamente explorada, a vida pode tornar-se absolutamente enfadonha. Nenhum homem sensato faria isto, porque seria contrário aos fundamentos básicos da natureza humana. Os campeões da não-violência (assim-chamada Ahim’s’a) devem usar de hipocrisia e falsidade quando pretendem praticar este culto por qualquer outro intento. Se o povo de um país conquista outro pela força bruta, a população da nação conquistada deve usar a força para reconquistar a liberdade. Este uso da força pode ser brutal ou sutil, e como resultado tanto o corpo quanto a mente dos conquistadores podem ser feridos. Uma vez que se faz uso da força, não se pode chamar a isto de não-violência. É não-violência o ato de ferir um homem, não pelas mãos, mas por meios indiretos? O movimento para boicotar uma nação é não-violência? Por isso, digo que aqueles que interpretam não-violência e Ahim’s’a como sinônimos devem recorrer à hipocrisia, repetidamente, para justificar suas ações. O exército e a polícia são necessários para a administração de um país. Se estas organizações não usassem a força, mesmo em casos necessários, sua existência não teria sentido. A marca desta suposta Ahim’s’a, ou não-violência, aplicada sobre uma bala não a tornará não-violenta.

Aqueles que não estão adequadamente equipados para reagir aos propagadores do mal deveriam fazer todos os esforços para adquirir força e fazer seu uso adequado. Na falta dos requisitos para resistir às forças maléficas, e também na ausência de um esforço para consegui-los, a atitude em prol da não-violência somente para não admitir a própria fraqueza frente ao opositor pode servir a um propósito político, porém não garante a santidade da retidão.

O significado da palavra Ahim’s’a na esfera da Sádhaná já foi dado. De acordo com seu significado correto, as pessoas devem guiar cuidadosamente sua própria conduta para assegurar-se de que seus pensamentos ou ações não causem dor ou injustiça a alguém. Qualquer pensamento ou ação com a intenção de prejudicar alguém é Him’s’a. A manutenção da vida implica a destruição de certas formas de vidas inferiores, seja intencionalmente ou não. O processo de respirar mata milhares de células protoplásmicas. Quer se saiba, ou não, a cada ação essas células vivas morrem naturalmente ou são destruídas. O uso de remédios profiláticos significa a destruição de milhões de germes patológicos. Os insetos destruidores da lavoura — parasitas, mosquitos, percevejos, aranhas etc. — são mortos de várias formas. Isto é necessário para se manter a vida. Estes atos não são praticados com a intenção de causar dor. Logo, não podem ser classificados como Him’s’a. Devem ser feitos em legítima defesa. Como resultado dos choques e das coesões na estrutura física e do esforço para manter a unidade estrutural, a cada momento, um processo de formação e deformação está se realizando.

O arroz é obtido do arroz com casca. Não há vida no arroz com casca? O arroz com casca pode germinar e se reproduzir. Para manter seu corpo físico, você beneficia o arroz tirando-lhe a casca, matando-o assim. Você tem a intenção de ferir algum ser quando prepara o arroz? Daí se deduz que uma vida depende de outras formas de vida para manter sua existência. Aqui não há a questão de Him’s’a ou Ahim’s’a. Se isto fosse concebido como Him’s’a, os meios de subsistência da vida ficariam limitados a tijolos, areia e pedras. Mesmo a respiração deveria ser proibida, em outras palavras, o ser humano deveria suicidar-se.

É, porém, muito importante lembrar duas coisas a respeito dos alimentos. Primeiramente, na medida do possível, os alimentos devem ser selecionados dentre aqueles seres que têm consciência muito pouco desenvolvida, isto é, se os vegetais estiverem disponíveis, os animais não devem ser abatidos. Em segundo lugar, antes de abater um animal, com consciência desenvolvida ou subdesenvolvida, deve-se considerar se é possível viver uma vida saudável sem sacrificar tal animal. O corpo humano é constituído de inumeráveis células vivas. Estas células se desenvolvem e crescem com o auxílio de entidades vivas similares. A natureza das células vivas será formada de acordo com o tipo de alimentos ingerido. Em última análise, todos esses aspectos afetarão a mente. Se as células do corpo humano se desenvolvem a partir de alimentos podres e malcheirosos ou da carne de animais, nas quais predominam as tendências inferiores, é natural que a mente seja inclinada ao que há de mais baixo. O hábito de comer qualquer coisa disponível, sem fazer a devida ponderação, não pode ser apoiado de modo algum, mesmo que não se questione sobre Him’s’a ou Ahim’s’a. Você não deve ter como princípio fazer o que bem entende. Pense antes de agir. Para a subsistência, deve-se adotar um princípio no que diz respeito à alimentação. Do contrário, pode-se ir de encontro ao código de Aparigraha. O significado de Aparigraha será explicado mais adiante.

Him’s’a e o uso da força não são a mesma coisa. Às vezes o uso da força pode resultar em Him’s’a, mesmo que não haja a intenção de causar dor. Quando a pressão das circunstâncias obriga alguns indivíduos a usarem a força contra outros indivíduos (resultando em Him’s’a), aqueles indivíduos são chamados de Átatáyii, em sânscrito.

Ks’etradárá Aháriica Shastradhárii Dhanápaháh

Agnidaragadashcaeva S’ad’ete Hyayátátáyianah.

Qualquer pessoa que, pelo uso da força bruta, queira se apossar de sua propriedade, raptar sua esposa, chegar armado para matá-lo, tomar suas riquezas, incendiar casas, matar com venenos, é chamado de A’tatáyii.

Se qualquer pessoa ou nação quiser dominar, total ou parcialmente, outra nação, o uso da força física contra essa força invasora não será contrário ao princípio de Ahim’s’a. Ao invés disso, por uma interpretação errada da palavra Ahim’s’a ou por interpretar Him’s’a e “força bruta” como coisas idênticas, o homem comum poderá perder seus bens e a felicidade e sofrerá tantas outras penúrias, devido às circunstâncias.

Comumente, as pessoas em vez de procurarem esclarecer aqueles que se deixam levar por superstições, ferem os sentimentos dessas pessoas com sua atitude. Um exame minucioso da história mostra que os inimigos da idolatria têm, por diversas vezes, destruído belíssimos templos que eram exemplares únicos da arquitetura. Eles destruíram belas imagens que representavam a expressão da arte escultural. Todos estes atos são de natureza extremamente violenta, porque causam severo sofrimento aos idólatras e, consequentemente, estes adoradores de ídolos adotam uma postura obstinada em favor dos ídolos, mesmos que estejam plenamente convictos de que a idolatria é coisa fútil. Como resultado disso, o progresso espiritual, não só dos idólatras, mas também de toda a sociedade é postergado. É importante observar que, mesmo num país onde todos, sem exceção, tenham abandonado a idolatria, ainda assim os aspirantes que seguem os princípios de Brahmacarya [ver explicação adiante] deveriam preservar estas imagens cuidadosamente num museu, por respeito à escultura e ao senso estético. Eles não destruiriam essas belas obras, de modo algum. Destruir uma obra de arte resulta também na destruição do senso de admiração pela beleza sutil, e isto, de maneira alguma, é decente.

Enquanto a mente estiver apegada a símbolos religiosos ou sectários, ou submissa a rituais supersticiosos, ela permanecerá absorvida por objetos densos. Qualquer método rude de prevenção contra essas superstições sectárias causará reação na mente, e isso impedirá a Sádhaná. Por isso, o melhor caminho é ajudar essas pessoas a desenvolverem suas mentes por meio de Brahma Bhavana (ideação cósmica) e, só assim, elas serão capazes de abandonar a superstição facilmente.

O princípio de Ahim’s’a, um dos aspectos de Brahma Sádhaná, deve ter sido entendido claramente agora. Vamos também ponderar se o ato de punir uma criança por parte dos pais equivale a Him’s’a ou Ahim’s’a. Não, não é Him’s’a, porque não há intenção de causar mal ou dor de modo algum. O propósito da punição não é fazer a criança chorar, e sim corrigi-la. Quer seja aplicada em um ladrão, um cavalheiro, um amigo, ou qualquer pessoa, a ação com o verdadeiro espírito de retificação não pode ser denominada Him’s’a, não importa quão áspera ela possa parecer.

Deve ser esclarecido que na vida cotidiana não é difícil seguir o caminho da verdadeira Ahim’s’a.

Mesmo que haja vegetais em abundância nos países quentes, cedemos à tentação de comer carne. Porém, quando um médico tiver que prescrever a um paciente convalescente uma dieta que inclua a carne como alimento indispensável ao restabelecimento, este fato não deve ser tomado nem como Him’s’a nem como gula, porque não se tem em vista abater o animal, nem para causar-lhe dano nem para satisfazer uma tendência à gula. Nos países frios, as pessoas comem carne, vestem peles de animais e cozinham com gorduras animais porque as circunstâncias impõem tais comportamentos.

É uma característica do homem combater seu agressor. Veja o Ramayana, grande poema épico. Ele descreve que Shrii Rama, com todo o seu poder, travou uma guerra contra Ravana, o qual tinha raptado sua esposa. A ação de Rama não foi, de modo algum, de encontro aos princípios de Ahim’s’a, pois ele invadiu Lanka não com desejo de conquistar um território ou de causar qualquer dano.

Veja o Mahabharata. Mahapurusa Shrii Krs’n’a tinha insistido junto aos Pândavas para levantarem as armas contra os Kaoravas, que eram os agressores (Átátayii) que tinham se apossado de terras à força. Ninguém ousaria acusar a encarnação do amor, Shriiman Mahaprabhu, um dos grandes revolucionários no mundo social e espiritual, de usar meios associados a Him’s’a; porém ele também se lançou como um leão sobre o tirano Kázi (juiz). Se Him’s’a e o “uso da força” fossem sinônimos, certamente, Mahaprabhu, a encarnação da misericórdia, não teria agido assim.

O uso da força contra um agressor é um ato de bravura e a desistência do uso dessa força é covardia. Porém, a pessoa fraca deve avaliar sua força antes de empreender um violento combate contra um agressor forte, caso contrário, se não tiver adquirido a força necessária, a injustiça triunfará temporariamente. Na história, este erro foi chamado de a “loucura dos Rajputs”. Os Rajputs sempre avançavam, com coragem, contra os invasores de Mughal. Sem dúvida, eles combateram vigorosamente, porém, enfrentaram o inimigo sem avaliar suas próprias forças. Eles sofriam intrigas e dissensões internas, por isso, sempre perderam as batalhas e morreram heroicamente. Portanto, é necessário adquirir a força adequada antes de declarar guerra a um agressor. Perdoar o agressor sem ter corrigido sua natureza é encorajar a injustiça. Se você achar que o agressor está propenso a destruí-lo, quer você use força ou não, será melhor estar preparado para morrer lutando com todas as forças, sem esperar para adquirir forças suficientes.

Um Guia para a Conduta Humana - Shrii Shrii Ánandamúrti

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