Shrii Shrii Anandamurti
DMC, 16 de Dezembro
de 1957, Begusarai/India.
Viveka (consciência)1 é um gênero especial de
deliberação. A deliberação (vicára) é o empenho de
selecionar-se uma idéia particular dentre várias idéias. Se uma pessoa em
particular for apresentada a você como sendo um criminoso, então existem duas
idéias opostas perante você: a culpa do homem ou a sua inocência. O processo
pelo qual chega-se a uma conclusão após deliberar sobre essas duas idéias opostas
é chamado de vicára. Quando você finalmente
toma a sua decisão, isto é chamado de siddhánta
(conclusão).
A consciência (viveka) é definida como um tipo
especial de vicára (deliberação). A denotação
de vicára é mais ampla do que a de viveka. Um ladrão, ao entrar na casa da sua vítima, considera se seria
melhor começar roubando a sala de jantar ou a sala de estar. Isto é um tipo de
deliberação – após a qual o ladrão chega à sua conclusão. Esta deliberação é vicára, mas não viveka.
Figura 1: Um esquema para representar a relação
entre vicára, viveka e siddhánta2.
Viveka é aquele gênero de
deliberação em que há um empenho consciente de tomar-se uma decisão em favor de
shreya (benevolência) quando se está confrontado com as duas idéias
opostas de shreya e preya (malevolência). Existem
cinco tipos de viveka, e o nome coletivo deles é
viveka
paincaka.
Nityánitya viveka
O primeiro tipo é nityánitya viveka (a discriminação entre o
permanente e o impermanente). Sempre que uma pessoa inteligente pondera sobre
alguma coisa, ele ou ela discerne os seus dois aspectos: o permanente e o
impermanente. A tentativa de aceitar o aspecto permanente depois de uma
deliberação apropriada é chamada de nityánitya viveka. O permanente não depende dos fatores relativos de tempo, espaço
e pessoa, enquanto que o impermanente é a coletividade desses fatores
relativos. A melhor maneira de reconhecer algo impermanente é que, se um dos
três fatores relativos for mudado, aquilo irá sofrer uma transformação imediata.
Nityánitya viveka capacita os seres humanos a
entenderem a necessidade de seguirem o dharma3.
Ela os ajuda a compreenderem as diferenças fundamentais entre dharma e religião, ou doutrina. Religião é algo inteiramente relativo,
enquanto que dharma é uma verdade permanente.
A primeira característica da religião é que ela dá importância
excessiva a um único indivíduo. Diferentes religiões afirmam que tal e tal
grande personalidade (mahápurusa) é um filho de Deus, um profeta, ou até o próprio Deus. Não
importa quão grandes essas pessoas possam ter sido – ainda assim elas são
mortais.
Existem também algumas pessoas que afirmam que os proponentes de
outras religiões não chegaram tão próximo de Deus quanto o proponente da
religião delas. Essas palavras não são apenas irracionais, mas contêm uma
tentativa oculta de fazer com que o impermanente pareça ou torne-se permanente.
Dharma é uma verdade eterna que se pode conceber, e que não depende de
qualquer indivíduo, profeta ou avatára (descendente direto de Deus) para a sua consolidação. O objetivo
do dharma é atingir-se Brahma4; a sua
base e o seu movimento são centrados em Brahma. Brahma é a Entidade Absoluta – a qual independe de tempo, espaço e
pessoa. Ela é permanente. A sádhaná5 de Brahma é, portanto, a sádhaná para alcançar-se a entidade
permanente.
Através de nityánitya viveka os seres humanos ficam
cientes da natureza fugaz dos objetos transitórios. Eles observam que com
mudanças de tempo, espaço e pessoa ocorrem mudanças correspondentes na
sociedade, na política, na economia e em todas as outras esferas da vida, às
quais eles têm de se adaptar. Aqueles que relutam em adaptar-se às
circunstâncias modificadas estão fadados à destruição. Uma religião ou um
“ismo” é criado em uma certa época, sendo em si mesma um produto dos três
fatores de tempo, lugar e pessoa.
Contudo, a religião não reconhece a necessidade de ajustamento com
as mudanças na vida social. Ela se recusa a entender que as velhas regras e
regulações da época anterior são agora apenas registros históricos que perderam
a sua relevância na sociedade dinâmica atual.
Para enrijecer o progresso da humanidade, os seguidores dessas
religiões mexem com os sentimentos humanos e outras fraquezas. Eles almejam
perpetuar o domínio de interesses escusos pela infusão de complexos de inferioridade
na mente humana. Enquanto pregam suas idéias religiosas, alguns afirmam que os
seus sistemas sociais, econômicos e políticos foram criações diretas de Deus –
e que, portanto, estão destinadas a serem seguidas em todas as épocas e em
todos os tempos com igual veneração. Eles asseveram que aqueles que
recusarem-se a seguir esse decreto divino serão condenados a queimarem no calor
ardente da ira de Deus, ou serão amaldiçoados a sofrerem no fogo do inferno
pela eternidade. Para impedir que as pessoas tenham a chance de verificarem a
racionalidade de diferentes escrituras, eles declaram que tais e tais escrituras
são infalíveis e que, portanto, ninguém tem o direito de questionar a sua
veracidade. Se os textos filosóficos contradisserem as escrituras, então os
proponentes dos mesmos serão declarados como ateístas.
Vê-se assim que, na ausência de nityánitya
viveka, os proponentes das
religiões querem deter o progresso intelectual da sociedade humana em geral.
Eles conscientemente recusam-se a entender que qualquer observação com relação
aos fatores espacial, temporal e pessoal, de qualquer pessoa que seja, está
fadada a perder sua relevância em uma situação diferente.
Através de nityánitya viveka, tentem entender o que é permanente e o que é impermanente. Vocês certamente
irão compreender que nenhuma escritura é uma revelação de Deus; pois tudo neste
mundo criado por tempo, espaço e individualidade é um fenômeno transitório. Não
se pode negar a necessidade de objetos mundanos transitórios para um corpo
transitório e para uma mente transitória. Mas, mesmo que essas coisas sejam
necessárias, ainda assim elas são transitórias.
Na fase introversiva da imaginação cósmica6, o progresso intelectual dos seres humanos está fadado a acontecer
e, consequentemente, o controle deles sobre a matéria gradualmente irá
aumentar. No processo de ampliar o desenvolvimento intelectual, as velhas
idéias e valores da vida subdesenvolvida ficarão ultrapassados. Você já devem
ter notado que pessoas com idéias velhas, obsoletas, muito comumente lamentam-se
de que a presente geração mais jovem não tem nenhuma inclinação espiritual.
“Tudo está perdido”, elas lamentam. Talvez elas não compreendam, ou talvez
conscientemente recusem-se a acreditar que o conhecimento científico esteja
aumentando, e dramaticamente. A juventude moderna está se familiarizando com
invenções e descobertas mais novas. Esses jovens estão aprendendo muitas coisas
novas e aceitando-as do fundo dos seus corações. Como resultado, o atraso
intelectual do passado parece totalmente absurdo para eles. Quanto mais
conhecimento científico eles adquirem (no movimento de pratisaincara do ciclo cósmico, eles certamente irão avançar), tanto mais eles
irão tentar libertar-se do garrote da religião e de “ismos”, e assim avançarão
mais adiante no caminho do dharma – diretamente e cientificamente apoiados pelo julgamento racional.
Será que os proponentes de ismos não estão cientes desse fato? Eles sabem muito
bem, e é por isso que eles deliberadamente criticam a ciência material sempre que
podem. Mas esse tipo de criticismo não impressiona as pessoas intelectuais.
Não é suficiente igualar as escrituras assim-chamadas religiosas
com a filosofia transitória. Em vez disso, essas escrituras são [até mesmo
inferiores que] a ciência material. Mesmo que as ciências materiais ainda sejam
imperfeitas dos pontos-de-vista ideológico e prático, elas não impedem o
progresso científico da humanidade – apesar de que engessam o progresso
intelectual sutil e espiritual. Mas as conspiradoras teologias religiosas
querem prender os pés das pessoas, fazendo-as ficarem tão estáticas quanto
pássaros sentados em um poleiro numa gaiola. Com excessiva frequência tais
pessoas [religiosas] ficam satisfeitas com a quantidade de progresso científico
que elas herdaram, e não se preocupam com seu desenvolvimento posterior. Para
elas, melado é sagrado, enquanto que o açúcar feito numa usina é profano porque
é um produto da ciência. Para elas, carros de boi e botes a remo são sagrados,
enquanto trens e barcos a vapor são profanos também porque são produtos da
ciência. Mas mesmo assim, se esses proponentes da religião pensarem um pouco
mais profundamente, eles vão entender que tanto o melado quanto o açúcar [industrializado]
são produtos da ciência. A época do melado foi uma época de ciência
subdesenvolvida. O açúcar [industrializado] foi produto de uma época
comparativamente mais desenvolvida7.
Não podemos aconselhar os seres humanos de hoje em dia a voltarem
à idade das velas e dos lampiões a óleo e negligenciarem a luz elétrica. Mas
algumas religiões difundem tais ensinamentos. Os seres humanos terão de
entender o espírito correto de nityánitya viveka e ajustarem-se à era
prevalecente. Eles terão de aceitar sem reservas a situação da época particular
na qual nasceram. Não servirá de nada desperdiçar o próprio tempo debochando do
passado.
Nityánitya viveka é uma parte inseparável da
prática do dharma. O dharma estabelece diretrizes claras para que se avance em perfeito
ajustamento com a situação prevalecente. O dharma é
a faculdade vital pulsante dos seres vivos. No dharma,
não há lugar para inércias acumuladas da estaticidade8.
Somente Brahma é uma Entidade Eterna, e a sádhaná de Brahma é a prática verdadeira do dharma. As regulações ritualísticas centradas em torno dos fatores espacial
e temporal não podem ajudar na realização da Entidade Eterna, Parama
Brahma9. O esforço continuado de
purificação psíquica é a única maneira de se tornar uno com Ele. Pessoas que
seguem rituais ostentatórios depois de indulgirem em atividades antisociais variadas
podem ser vistas como pessoas corretas do ponto-de-vista religioso, mas se elas
forem testadas pelo padrão de medida do dharma,
as suas naturezas pecaminosas serão reveladas.
Como as religiões dependem de vários fatores que passam por mudanças,
elas diferem amplamente umas das outras. Elas criticam e zombam umas das
outras, exagerando os defeitos das outras e recusando-se a reconhecer as
qualidades positivas delas. Como elas não têm uma Entidade Eterna como a meta
delas, elas são influenciadas mais pelas alianças entre os membros da sua
própria seita do que por qualquer amor pela humanidade. Mas o verdadeiro dharma ensina que todos os seres vivos do universo pertencem a uma única família;
todos estão ligados pelo toque comum da fraternidade. O universo inteiro é o
lar de cada um, e todas as entidades animadas e inanimadas são as expressões
diversas de um único e mesmo Ser Supremo.
Hararme Pitá Gaorii Mátá svadesha
bhuvanatrayam.
[Parama Purus’a é o meu Pai, Parama
Prakrti é a minha Mãe,
e o
universo inteiro é o meu lar.]10
Mas, muito estranhamente, muitas religiões ensinam o oposto. Elas
proclamam a grandeza exclusiva de um país, raça, montanha ou rio particulares.
Mas no dharma não há espaço para intolerância, pois o dharma baseia-se na fundação
sólida do vigor que deriva do amor universal. A meta da religião é uma entidade
nãointegral, e portanto tem-se como resultado uma perspectiva estreita. A meta
do dharma, entretanto, é o Brahma infinito. Portanto, ao
seguir o dharma, a visão da pessoa
progressivamente se amplia. Algumas vezes nota-se um tipo de aliança entre as
religiões, mas trata-se de uma aliança inteiramente externa. A
conversa de síntese das religiões é totalmente absurda; trata-se
meramente de uma demonstração aparente de honestidade e de grandiloquência para
ludibriar as pessoas comuns. O dharma sempre é singular em número,
jamais plural. Portanto, não surge a questão de síntese religiosa no dharma. As religiões são sempre em número plural – jamais singular. A
síntese das religiões significa a aniquilação delas. Onde quer que entidades
impermanentes sejam adoradas como meta através de parafernálias ritualísticas
variadas, não há espaço para síntese.
A religião é praticada para a satisfação de aspirações mundanas.
Essa é a razão de por que uma classe de clérigos formou-se em torno da
religião. Por fim, os adeptos dessas religiões tornam-se meros instrumentos nas
mãos de interesses escusos. Com o despertar de nityánitya
viveka nas mentes humanas e com a abertura da porta do conhecimento
científico, não será possível enganar as pessoas em nome da religião ou
lançando-se a isca da felicidade no mundo do além. Os interesses escusos estão
bem cientes deste fato e portanto esforçam-se para manter as massas perdidas na
escuridão da ignorância. Como parasitas, eles movimentam-se para apropriarem-se
indevidamente – injetando complexos de medo e de inferioridade – da fatia do
leão daquilo que as massas ignorantes adquirem com seu suor e sangue.
Exploradores religiosos mantêm uma aliança profana com os
exploradores capitalistas. Com as mãos erguidas,
um preceptor religioso abençoa os ricos mercadores para terem prosperidade no
futuro, mas recusa-se a olhar para os rostos dos seus discípulos pobres que não
conseguem dar-lhe um generoso pranámii (um tributo para a benção do padre). Vocês irão perceber que em
muitas religiões dá-se mais importância a estórias e fábulas mitológicas do que
à ciência e a idéias racionais, porque elas contêm amplo espaço para a
exploração das fraquezas humanas.
Mas nas análises científicas e racionais não há espaço para
exploração. Se você se considera como sendo da casta brâmane, então você terá de admitir, indiretamente, que os brâmanes originaram-se da boca de um deus chamado Brahma. Mas será que o seu intelecto científico irá concordar com esse
tipo de interpretação irracional? Analogamente, se você se considera como um
guerreiro (ksatriya) ou um mercador (vaeshya) ou um trabalhador (shúdra),
então você terá de aceitar que você nasceu das mãos, coxas ou pernas de Brahma.
A antropologia, a arqueologia e a história humana não podem
aceitar tais noções absurdas. Mas os adeptos de tantas e tantas religiões têm
de se conformar, mais ou menos, com algumas estórias mitológicas que são totalmente
contrárias à ciência. Ao desenvolver nityánitya
viveka você será capaz, com pouco esforço, de limpar a sua mente do lixo
causado por tais superstições. Nityánitya viveka ensina que as entidades que
dependem de tempo, espaço e pessoa são todas transitórias. A única entidade
além do escopo de tempo, espaço e pessoa é Paramátma11, e portanto Ele é o Eterno, Nityam_
Vastrekam_ Brahma.
Dvaetádvaeta viveka
O segundo tipo de viveka paincaka é dvaetádvaeta viveka. Através de dvaetádvaeta viveka a pessoa adquire a
capacidade de analisar se a entidade eterna é uma ou mais de uma, e chegar a
uma conclusão correspondente (dvaeta significa dualístico e advaeta significa não-dualístico).
Não pode haver nenhuma diferenciação de svagata,
svajátiiya e vijátiiya na entidade que está além
de tempo, espaço e pessoa12.
Portanto, não é possível que a Entidade Eterna seja mais que uma.
Diferentes crenças sobre os assim chamados deuses – de que um deus derrotou
outro em uma batalha, mas depois foi profundamente ferido pela vingança irada
do seu adversário; que um certo deus espalha ou cura uma certa doença; e que
outro deus distribui riqueza ou ensinamentos – são contrários a dvaetádvaeta viveka.
Na prática espiritual, nityánitya
viveka não é suficiente: dvaetádvaeta viveka também é necessária. Para obter-se
sucesso na prática espiritual, tanto nityánitya
viveka quanto dvaetádvaeta viveka são indispensáveis. Elas
capacitam as pessoas a perceberem que todos os objetos circunscritos a tempo,
espaço e individualidade são transitórios, enquanto que a Entidade que está
além da periferia de tempo, espaço e individualidade é permanente. Ela é una e
não há outra.
Átmánátma viveka
O terceiro tipo de consciência é átmánátma
viveka (literalmente consciência de eu e não-eu). O papel desse tipo de
consciência é analisar se a Entidade Permanente, Não-dualística, é Consciência
(Átmabháva) ou não consciência (anátmabháva).
Tudo neste universo é uma forma metamorfoseada da Consciência.
Essa metamorfose ocorre devido à influência do princípio estático. A criação do
mundo das formas pelo princípio estático continua como resultado das mudanças
no fluxo de ondas infindáveis. As formas são expressões daquilo que não tem forma,
devido à influência da Prakrti estática13. Portanto, a Consciência, no
processo de crudificação, transforma-se em matéria sólida e assume a forma de
um objeto perceptível, ficando desprovida da sua qualidade original de entidade
testemunhal. Ou seja, a Consciência (Átmabháva)
torna-se metamorfoseada em não-consciência (anátmabháva).
Da mente até a matéria sólida há a dominação da não-consciência e consequentemente
a existência de três fatores: o conhecedor, o conhecimento e o que pode ser
conhecido.
Quando aspirantes espirituais aplicam átmánátma
viveka, eles podem facilmente
discernir esses três fatores e chegar ao entendimento de que todos os três são
mutáveis e perceptíveis, e consequentemente que são por natureza
não-consciência. E a entidade que está acima desses três fatores, que é Una sem
uma segunda, que é a Entidade Testemunhal, não é outra que não a Consciência.
Na realidade mundana as pessoas correm atrás de dinheiro. Qual é a
natureza desse dinheiro? Dinheiro é importante para se comprar objetos físicos
grosseiros. Ele não é uma entidade consciente; ele é não consciência.
A sua falta é sentida pela mente unitária. O dinheiro pode ser
conhecido e desfrutado, e o prazer derivado do dinheiro é o [seu] desfrute.
Mas, sendo não-consciência, ele não pode ser a causa de felicidade ilimitada.
Mesmo assim, as pessoas farão quase qualquer coisa para conseguir dinheiro:
suborno, assassinato, adulteração, contrabando, hipocrisia e assim por diante.
Tais pessoas são adoradoras da não consciência, investindo toda a sua energia
vital na busca de matéria. Apliquem átmánátma viveka em todas as ações e em
todos os pensamentos. No campo da ação, átmánátma viveka tem uma importância maior
do que dvaetádvaeta viveka. Se vocês a utilizarem como uma parte indispensável da sua vida
diária, a verdadeira forma do universo irá aparecer diante de vocês. É claro
que isto jamais acontecerá se uma pessoa mantiver pensamentos pecaminosos
enquanto finge ser correta.
Átmánátma
viveka irá lhes ensinar que a Entidade Eterna Singular na forma da
Consciência deveria ser o seu único objeto de ideação. Vocês verão as cores da
religião desvanecerem diante dos seus olhos, na medida em que a pura efulgência
branca do dharma reluzir com brilho cada vez maior.
Todos os ismos prevalecentes no mundo hoje em dia podem facilmente
ser incluídos na categoria de religiões. Todos os defeitos das religiões também
encontram-se nos “ismos”. Nenhum dos “ismos” políticos, sociais ou econômicos
está livre de superstições – nenhum possui retidão; todos estão cheios de
excessiva hipocrisia. Em todos os “ismos”, doutrinas e religiões, a autoridade
das escrituras é suprema. Não há espaço para o funcionamento dos cinco tipos de
consciência; não há lugar para serviço, amor ou devoção. Com o apoio da
falsidade e da imoralidade, esses “ismos”, doutrinas e religiões caluniam e
fazem acusações umas contra as outras. Elas fazem promessas atraentes para as
pessoas enquanto escondem os seus próprios pecados internos. Na verdade, falsa
piedade não é o caminho do dharma – o qual leva ao bem-estar – e sim o oposto do dharma, a negação do bem-estar. Elas podem ser comparadas a asnos em
peles de leão: tire as peles de leão e a verdadeira forma delas será revelada.
Elas não têm outro propósito do que o de conseguirem votos e usurparem o poder.
A mentalidade de primeiro conseguir votos e depois servir as pessoas não é o
verdadeiro espírito do serviço social desinteressado; em vez disso, é a
mentalidade de materialistas sedentos de poder.
Vocês terão de avançar com o verdadeiro espírito do serviço social
genuíno, porque a característica intrínseca do dharma
é de promover a causa do
bem-estar. Dharma e bem-estar são inseparáveis. A religião e a intolerância causaram
enorme dano ao mundo; fizeram com que correntes de sangue manchassem os rios de
vermelho. No século vinte, as religiões assumiram a forma de “ismos”14.
As pessoas dos tempos medievais faziam lutas entre seus clãs e
comunidades, e as pessoas de hoje em dia estão lutando por seus “ismos”. Assim
como as religiões no passado, os “ismos” estão criticando uns aos outros,
revelando o seu espírito de intolerância ao tentarem calar as vozes uns dos
outros. Parece que eles não têm outro objetivo além de reclamar, criticar e
caluniar uns aos outros. Eles estão enganando as massas ignorantes ao pintarem
um quadro cor-de-rosa de serviço, paz e felicidade. Por outro lado, eles mesmos
estão rapidamente se afastando do caminho do serviço altruísta e do bem-estar.
Para emancipar as massas da influência doentia dos “ismos” não há alternativa
além do universalismo. Somente o universalismo está isento dos defeitos de
quaisquer estreitismos, porque toda e cada coisa deste universo inteiro
encontra um lugar dentro da sua vasta periferia.
Somente com a ajuda de átmánátma viveka é que os seres humanos
conseguirão sair do atoleiro desse século vinte e mover-se em direção ao
universalismo com passos firmes. Por mérito de átmánátma
viveka, as pessoas poderão
compreender que Brahma é a Entidade Singular
Eterna, pura Consciência.
Paincakosa viveka
O quarto tipo de consciência é paincakosa
viveka (a consciência dos paincakosas ou
cinco camadas da existência). Algumas vezes as pessoas confudem as diferentes
camadas da sua existência com a consciência unitária. Com o auxílio de paincakosa viveka as pessoas conseguem
facilmente discernir que annamaya kosa (o corpo físico), kamamaya kosa (a mente grosseira), manomaya kosa (a mente sutil), atimanas, vijinánamaya e hiranyamaya kosas ([coletivamente denominadas
de] a mente causal) são camadas separadas e que a Consciência está acima de
todas as cinco kosas15. Sádhaná
espiritual significa a
ideação na própria consciência da pessoa, para além dessas kosas,
e não a ideação em qualquer uma dessas kosas em si mesmas. Através do
conhecimento uma pessoa precisa analisar e parar de adorar essas kosas.
O movimento em direção à consciência é o verdadeiro espírito da sádhaná. Não é possível seguir o culto espiritual sem cultivar
apropriadamente paincakosa viveka.
Pegue por exemplo o caso de um grande problema na sociedade: o
problema de alimentação e vestuário. Comidas e roupas são essenciais para a
preservação da existência humana16, mas elas
não são o objetivo da vida. Elas são necessárias para o corpo físico (annamaya kosa) e em alguma medida para as outras kosas também, mas não são tudo.
Por meio delas não é possível alcançar-se satisfação mundana completa. Para alcançar-se
a benevolência suprema, a entidade microcósmica que consiste das cinco kosas é uma necessidade, e para isso precisa-se de comida e roupas. Mas
a luta em busca de comida e roupas é apenas um estágio grosseiro da sádhaná, e não o estágio final e absoluto. As pessoas cuja sádhaná inteira é aplicada somente na procura de comida e roupas
dificilmente podem ser chamadas de seres humanos; elas são melhor descritas
como animais subdesenvolvidos.
Mahávákya viveka
Mahávákya viveka, o quinto estágio da consciência, é o resultado dos outros
quatro. Os primeiros quatro tipos de consciência ajudam um sadhaka17 a compreender que a
Entidade Eterna, Brahma, é Una sem uma segunda, a
Consciência personificada, e conhecedora das cinco kosas. Mahávákya viveka ensina aos seres humanos
que Ela não pode ser atingida meramente pelo conhecimento. Para liberar a
consciência dessas cinco kosas, a ação e a devoção são indispensáveis. Aqueles que pensam que
Ela pode ser alcançada somente através do culto do conhecimento estão
enganados. Cultivando os primeiros quatro tipos de consciência, uma pessoa de
conhecimento pode vir a estabelecer-se em mahávákya viveka. Nesse estágio, ele ou ela compreendem que uma mera busca do
conhecimento não pode propiciar paramártha (o meio de alcançar-se a meta suprema). Ele ou ela então entendem
que o conhecimento já adquirido não é conhecimento verdadeiro porque leva à
vaidade.
Se pessoas ignorantes desejarem adquirir mais conhecimento, elas
deveriam ser encorajadas a fazê-lo. Mas se os assim-chamados intelectuais (jinániis),
inflados com a vaidade do conhecimento, desejarem obter mais conhecimento, eles
deveriam ser aconselhados a primeiro aperfeiçoarem o culto da ação e da
devoção, esmagando assim a vaidade deles. Assim, deixe que um jinánii diga
às massas que Brahma somente pode ser alcançado através da auto-entrega, do
questionamento apropriado e do serviço altruísta: pránipátena, pariprashnena, sevayá.
Continue servindo as pessoas, e enquanto você está prestando
serviço, atribua a qualidade de Brahma àquelas a quem você estiver servindo. Tente fazê-las felizes com
toda a doçura do seu coração. Ajude os outros com o verdadeiro espírito de
serviço, e não com a intenção de propagar os seus interesses ou do seu grupo,
ou de qualquer outro “ismo” ao qual você possa aderir. Pense que a Entidade
Suprema veio até você na forma de pessoas necessitadas para testar o seu senso
de dever. Esse tipo de serviço altruísta é karma yoga.
A sua única motivação no serviço deveria ser a promoção do bem-estar das
pessoas sofredoras. Aqueles que servem os pobres para convertê-los de alguma
maneira, ou aqueles políticos oportunistas que os servem para conseguirem os
seus votos e tornarem-se ministros, não são os verdadeiros benfeitores da sociedade
humana, mas mercadores tendenciosos.
Junto com o serviço, os aspirantes espirituais também deveriam
cultivar pariprashnena (o
questionamento apropriado). Quando um aspirante espiritual segue o caminho da
espiritualidade, surgem muitas questões, dúvidas e confusões na mente. Pariprashnena
significa fazer perguntas
às pessoas certas que vão fornecer respostas apropriadas para ajudar a pessoa a
resolver qualquer problema que ela possa encontrar no caminho espiritual. Isto
permite que a pessoa avance mais rapidamente em direção à meta espiritual.
Através do
cultivo dos cinco estágios da consciência, todas as questões serão
facilmente respondidas. Quem não segue o caminho espiritual, ou quem não
desenvolve a consciência quíntupla, permanece constantemente preocupado com os
objetivos materiais de desfrute.
Juntamente com o serviço altruísta e com o questionamento
apropriado, pranipátena, ou entrega completa, também é essencial. Cultive o conhecimento
e preste serviço a outros com o melhor da sua capacidade, mas não pense que
isto irá bastar; pois o seu pequeno eu ainda continuará existindo. Você precisa
entregar o seu pequeno eu para o Eu Cósmico: este é o espírito de pranipátena.
É por isso que se diz que os cinco tipos de consciência alcançam a sua
culminação através de jinána yoga, karma yoga e bhakti yoga18.
Então, os cinco tipos de consciência começam com nityánitya viveka e terminam na devoção. A
esfera do conhecimento é vasta, mas, mesmo assim, é árida como um deserto. A
esfera da ação começa em um ponto em que não há o tempo, mas, ainda assim, ela
não pode transcender as barreiras do tempo. A devoção traz abundância,
enriquecimento, efulgência e dinamismo. A devoção é o mais valioso tesouro da
vida humana, porque ela fornece vitalidade infinita.
Bhaktirbhagavato sevá bhaktih
premasvarúpiniih,
Bhaktirándarúpá ca bhaktih bhaktasya
jiivanam19.
* * *
Título original:
The Five Kinds of Conscience (Viveka)
Tradução e revisão:
Mahesh – Florianópolis
julho - agosto de 2010; dezembro de 2012.
Fonte:
Edição Eletrônica das Obras de P. R. Sarkar – versão 7;
Ananda Marga Ideology and Way of Life in a Nutshell Part 7;
Subhásita Sam_graha Part 6.
1 Nota do Tradutor (N.T.): Os termos em língua estrangeira são em
sânscrito.
2
N.T.: Figura adicionada
pelo tradutor. Não pertence à publicação original.
3 N.T.: O autor dará ao longo do discurso uma explicação contextual
do significado de dharma.
4 N.T.: Em outro discurso, o autor explica que: “A palavra Brahma significa “incomparavelmente Grande”. Ele é a maior entidade de
todas: Brhattvád Brahma. Ficando absortas no pensamento sobre Ele, todos os seres
tornam-se Brahma; ou seja, Ele tem o poder
de fazer com todo e cada ser torne-se Brahma:
Brm_hanatvád Brahma.”
[“The Intuitional Science of the Vedas – 4” (1955). Subhásita Sam_graha Part 2.]
5 N.T.: Sádhaná pode ser entendido como “esforço para alcançar a meta” ou como o
processo de “completar o caminho”. Neste contexto, trata-se da meta suprema da
vida humana – Brahma, a Entidade Suprema – e,
por extensão, aqui sádhaná denota em especial práticas
espirituais.
O autor dará ao longo do discurso uma explicação contextual do
significado de sádhaná.
6 N.T.: Denominada em sânscrito como pratisaincara, e que sucede-se à primeira fase, extroversiva, ou saincara. “Imaginação cósmica”
refere-se à noção de que o universo existe como uma criação dentro da Mente
Cósmica de Brahma, a Entidade Suprema.
A fase extroversiva refere-se ao movimento que vai da entidade
mais sutil à mais densa, e a fase introversiva corresponde ao movimento oposto.
7 N.T.: Não obstante não ser este o ponto que o autor está
destacando neste parágrafo, pode-se mencionar que o uso de açúcar refinado é
bastante criticado. Entre outros motivos, isto é porque, com o processo de
refino do qual resulta, o açúcar refinado fica desprovido dos nutrientes
presentes nas formas menos refinadas do produto – como o açúcar mascavo e o
próprio melado –, fazendo com que se torne um produto químico altamente
concentrado (tipicamente 99,5% de sacarose) e de valor basicamente calórico.
Entretanto, a questão de uso apropriado coloca-se a todos os potenciais
alimentos, utensílios e materiais de interesse para
a vida humana.
8 N.T.: A estaticidade denota um dos três princípios qualificadores
que compõe Prakrti, o princípio operativo,
que realmente é um nome coletivo daqueles três princípios. (Vide nota 13.) Esse
princípio da estaticidade, ou tamah guna, é em geral o princípio dominante na fase extroversiva da
evolução do universo, responsável pelo surgimento de entidades cada vez mais
densas, até um certo ponto máximo de densificação, no qual surgem as condições
para uma inversão desse processo e a consequente diminuição gradual da
influência do princípio estático sobre as entidades criadas, culminando numa
condição de máxima sutileza que está além da influência até mesmo do próprio princípio
qualificador sutil, ou sattva guna. Essa condição que
transcende a influência dos princípios qualificadores ou limitadores de Prakrti é a meta suprema da vida
humana.
9 N.T.: Parama significa “supremo”.
10 N.T.: Esta citação – feita pelo autor em diversas outras ocasiões
– pode ser melhor interpretada à luz da própria filosofia do autor. Em
especial, o primeiro enunciado do seu tratado filosófico Ánanda
Sutram diz que “Brahma é composto de Shiva e de Shakti” – ou, em outras palavras, de Purusa e de Prakrti. Que denotam,
respectivamente, os princípios cognitivo e operativo do universo (na
terminologia do autor), os quais são aspectos de uma única entidade –
caracterizando um monismo, e não um dualismo. Quando o princípio operativo (Prakrti), inicialmente em estado latente, passa a atuar sobre o princípio
cognitivo, inicia-se o processo de extroversão ou criação do universo.
Sem dúvida que ambos esses princípios estão além das distinções
biológicas de gênero, e por isso a sugestão feita nesse sentido na citação
referida é meramente figurativa de que esses dois princípios, quando começam a
interagir, geram o universo e todas as suas entidades.
11 N.T.: O eu supremo ou alma suprema.
12 N.T.: Em outro discurso, o autor diz o seguinte:
“Quais são os critérios da relatividade? Sempre que houver svajátiiya,
vijátiiya e svagata
bheda (diferenças
intraespecíficas, interespecíficas e intraestruturais), diremos
que a entidade em questão é relativa. No momento em que essas diferenças são
removidas, a entidade relativa funde-se no Absoluto.”
[“Abhedajiṋána and Daeshika
Vyavadhána Vilopa”
(1969). Ánanda Vacanámrtam Part 33.]
Depois desse trecho ele passa a explicar resumidamente cada uma
das três diferenças citadas.
13 N.T.: Prakrti designa o princípio
operativo pré-existente à criação do universo e que encontra-se latente na
Consciência (Purusa), ou princípio cognitivo, e passa a atuar sobre parte dessa
Consciência e a transformá-la através de seus três princípios qualificadores:
sutil, mutativo e estático. Prakrti é o nome coletivo para
esses três princípios.
14 N.T.: Dada a data do discurso, o autor refere-se ao “presente
século vinte”.
15 N.T.: As cinco kosas referem-se às cinco camadas da mente, sendo que nessa contagem
exclui-se annamaya kosa ou corpo físico.
16 N.T.: Esta é uma afirmação de caráter geral, pois naturalmente
que as roupas não são essenciais em alguns lugares de clima quente, ainda que
sejam em outros.
17 N.T.: Isto é, aspirante espiritual – pessoa que está engajada na sádhaná que conduz à meta suprema da vida humana.
18 N.T.: Jinána, karma e bhakti significam, respectivamente, conhecimento, ação e devoção. E yoga, na definição aceita pelo autor, significa a fusão da consciência
unitária na Consciência Cósmica.
19 N.T.: Em outro discurso o autor explica o significado dessa
citação, tirada do Bhakti Shástra:
“Bhaktirbhagavato sevá” – “Devoção é o serviço a Bhagavat ou Bhagaván”. Aqui, Bhagaván significa “Aquele que tem bhaga”, ou seja, Aquele que incorpora todas as seis qualidades acima
referidas. Bhakti é o serviço a Bhagaván. “Bhaktih
premasvarúpinii” significa “devoção é amor
puro”. “Bhaktiránandarupá ca” – “O único desejo dos devotos é
dar prazer a Bhagaván.” “Bhakti bhaktasya
jiivanam” – “Devoção é a vida dos
devotos.” Assim como um peixe não pode viver fora da água, devotos não podem
sobreviver sem devoção. A devoção é a essência da vida, a sua própria fonte. Qual
é então a coisa mais preciosa da vida humana? É a devoção. Se a pessoa adquiriu
devoção, então ela conseguiu tudo e nada fica por fazer. Os devotos têm de
servir ao Senhor. Agora, o que é o verdadeiro serviço? Servir a Sua criação é o
verdadeiro serviço.
[“Devotion” (1978). Ánanda Vacanámrtam Part 1.]