Shrii Shrii Anandamurti
manhã de 2 de março de 1979
Siliguri, Índia
Nos Vedas foi dito:
Kalih shayáno bhavati saiṋjihánastu dváparah;
Uttiśt́han tretá bhavati krataḿ sampadyate carań.[1]
[Uma pessoa que evita o trabalho e não quer se mexer está vivendo em Kali Yuga; a pessoa que recém despertou do sono está em Dvápara Yuga; aquela que se levantou está em Tretá Yuga; e quando alguém já começou a se mover, então a Satya Yuga já chegou na vida dessa pessoa.]
Quando os seres humanos ficam imersos na ignorância, quando eles ficam adormecidos na escuridão da ignorância, então essa é a era de kali na vida deles. Satya, Tretá,Dvápara e Kali yugas [eras] não têm sentido além d[esses significados psicológicos]. Quando os seres humanos negligenciam seus deveres, quando eles não conseguem discriminar entre certo e errado, quando eles toleram a injustiça e a humilhação como lei da natureza, isto significa que eles estão sob o domínio de kali yuga.
As raízes sânscritas yug e yunj têm significados parecidos. Yuj significa “adicionar”, e yunj também. Por exemplo, dois mais dois é igual a quatro. Existe, entretanto, uma certa diferença entre ambos. Quando a palavra “yoga” deriva do verbo raiz “yuj”, ela significa “adição”, sem dúvida, mas aqui os componentes adicionados mantêm as suas identidades originais, tal como quando areia e açúcar são misturados e os grãos individuais ainda conseguem ser identificados. O verbo raiz yunj, por outro lado, refere-se a um tipo de adição na qual os componentes originais perdem suas respectivas identidades, como no caso de uma mistura de açúcar e água, em que se forma um xarope no qual o açúcar não consegue mais ser identificado separadamente. Similarmente, quando um ser unitário (jiiva) funde-se em Parama Puruśa [2], ele perde a sua identidade microcósmica e resta apenas uma única entidade, a Entidade Suprema.
A palavra yuga é derivada desse verbo yunj. O que é uma yuga? Quando um período de tempo em particular se encerra, quando uma época em particular termina, quando um fluxo de vida particular acaba e outro começa ou surge, isso é chamado de yuga. O passado pode ser dividido em várias yugas ou eras: a shudra yuga ou era dos trabalhadores; a kśatriya yuga ou era dos guerreiros; a vipra yuga ou era intelectual; e a vaeshya yuga ou era capitalista. Também no futuro essas eras virão e irão.[3] As pessoas irão rejeitar uma velha ordem social e abraçar uma nova. A fase de transição entre duas ordens sociais é chamada de yuga sandhi.[4]
Quando as pessoas estão tão inertes que elas fecham os olhos para o que acontece em redor delas, quando elas ignoram o futuro das demais, da sociedade e até de si mesmas, quando elas ficam docemente inconscientes que elas também têm um papel significativo a desempenhar, em evitar a degeneração da sociedade, então isto é chamado de kali yuga. Elas estão adormecidas.
Saiṋjihánastu dváparah. Existem algumas pessoas que continuam deitadas, mas que já despertaram, que já ficaram conscientes. Elas sentem a necessidade de agir mas não fazem nada. Isto também acontece na vida coletiva. Suponha que alguma coisa esteja acontecendo por um longo tempo. Nós a vemos acontecendo e até entendemos o que está acontecendo, mas mesmo assim deixamos de fazer qualquer coisa a respeito. “Isso é o que deveria ser feito”, “Isso é o que deveria ter sido feito”, “Isto deveria ter sido feito há muito tempo” – as pessoas fazem tais comentários mas, devido à falta de liderança dinâmica, elas não chegam a agir. Quem vai pendurar o sino no gato?[5] Esse é o sentimento geral da dvápar yuga. Saiṋjihánastu dváparah. As pessoas já acordaram do seu sono, já tornaram-se conscientes, mas ainda não entraram em ação.
Uttiśt́han tretá bhavati. Quando as pessoas já não se limitam a fazer comentários ociosos a partir do conforto das suas camas – “Oh, eu acho que isto deveria ser feito ou que aquilo deveria ser feito, eu tenho que começar a agir” – mas, ao invés disso, conseguem discriminar entre certo e errado e se levantam com um pulo, prontas para a ação, isto se chama de tretá yuga, tanto na vida individual quanto na coletiva. Uttiśt́han tretá bhavati. “Agora é hora de agir. Temos que agir agora mesmo.” As pessoas se reúnem em grupos de cinco ou dez ou vinte, e assim por diante, para fazer planos concretos de ações imediatas e efetivas. A consciência existe mas ainda precisa ser traduzida em ações.
Krtaḿ sampadyate carań. Suponha que alguém elabore planos e programas abrangentes, mas esses planos ainda ficam num nível teórico. Trata-se de um tigre de papel. Nenhum trabalho é realizado. Não há contribuição para o progresso na vida individual. O que então precisa ser feito? Os planos precisam ser transformados em ação. Quando as pessoas realizam trabalho concreto com sinceridade, então o sucesso inevitavelmente vem em suas vidas. Essa é a krta yuga [era da ação prática] ou satya yuga[era da verdade]. É desse modo que os seres humanos avançaram no passado, estão avançando agora e irão avançar no futuro.
Antes eu mencionei que assim como uma yuga sandhi acontece na vida individual – em que um estágio particular termina e outro estágio começa, sendo que a fase entre os dois é chamada de yuga sandhi –, a mesma coisa acontece também na vida coletiva. Suponha que exista uma certa comunidade. Ela pode consistir de uns poucos milhares ou de algumas centenas de milhares ou de uns poucos milhões de pessoas. Elas estavam adormecidas por um longo tempo, durante o qual elas suportaram incontáveis infâmias, humilhações e subserviência completa aos dominadores delas. Ninguém lhes deu qualquer consideração ou respeito. Mas quando a kali yuga delas dá lugar à dvápara yuga e a consciência desperta nelas, então os outros começam a ter medo delas: “Uh, oh, elas estão acordando!” A mesma coisa acontece também na vida individual. Os seres humanos passam seus dias como se fossem cães ou gatos ou cabras. Eles vêm à Terra, comem, dormem, se movem e morrem. Não tem sentido. Precisa haver consciência, e para que as pessoas estabeleçam-se nessa consciência elas tem que se levantar. Elas têm de se mover em frente. É a mesma coisa, trate-se do indivíduo ou do coletivo.
De acordo com a nossa filosofia, quando a consciência surge na vida individual, então a pessoa começa a se mover em consonância com certas instruções, certa orientação. Também na vida coletiva, quando esse estágio chega, as pessoas que estão mais avançadas, que têm melhor compreensão, que são mais corajosas, mais firmemente estabelecidas na moralidade, que são verdadeiras corretas – essas terão de tomar a frente, assumir a posição de liderança. Nesse tempo, as pessoas que se preocupam com o que os outros vão dizer ou pensar, ou que se preocupam em ser criticadas, e devido a esse medo escondem-se atrás de portas fechadas pensando que, se elas agirem, o nome delas ficará manchado – tais pessoas não são verdadeiramente seres humanos. Elas são mendigos, mendigando por reputação. Elas não têm hombridade; elas perdem a coragem de moverem-se em frente. Nesse momento, as pessoas que vão à frente e dizem “Vamos lá. Eu estou com você. Se vier encrenca, deixe que venha. Eu vou carregá-la nos meus ombros”, a essas pessoas eu dei o nome sadvipra.
É assim que sempre foi e é assim que sempre será. Contudo, na vida coletiva, na conjuntura crítica entre uma grande era e outra, nesse estágio de transição de grande mudança, quando se torna impossível para as pessoas comuns e até mesmo para sadvipras ordinários assumirem a liderança, então Parama Puruśa, através da sua graça especial, provê essa liderança.
Na presente época na Terra, a humanidade está testemunhando uma tal yuga sandhi. De um lado existe o monte de sujeira do passado, e as pessoas estão se agarrando a essa pilha de lixo porque ainda não se mostrou a elas a saída. De outro lado existe o chamado do novo. Sob tais condições, o que esse Mahásambhúti [6], que orientou a raça humana no passado, fará agora? Com coragem ele irá conclamar os seres humanos e declarar: “Deixem de lado o lixo do passado. Ele só poderá fazer mal a vocês e levá-los à própria morte. Sigam em frente. Respondam ao chamado do novo. Eu estou com vocês. Não há razão para terem medo.”
* * *
Título Original: “The Significance of The Word ‘Yuga’ ”
Fonte: Edição Eletrônica das Obras de P. R. Sarkar – versão 7.5 (em inglês).
Publicado em:
Ánanda Vacanámrtam Part 9
(Obra ainda não publicada no Brasil.)
Tradução e Notas: Mahesh – Florianópolis
(12 de março de 2013)
[1] Nota do Tradutor (N.T.): Este trecho encontra-se no Aitareya Brahmana 33.3, Rgveda – conforme: NIGAL, Sahebrao Genu. Axiological Approach to the Vedas. Nova Delhi: Northern Book Center, 1986.
Segundo esse autor, “Os filósofos védicos acreditavam em quatro ciclos culturais que podem ser vividos pelos seres humanos. Realizações culturais dependem do esforço humano. Quando o pensamento de realizar algo entra no coração humano, isto é o sinal de Dvāpara Yuga (segundo estágio – sanjihānastu dvāparah). No terceiro estágio (Tretāyuga), a pessoa tenta se mover para realizar seus objetivos (uttişthanstretā bhavati). Mas na Kŗtayuga (satyayuga) a pessoa esforça-se sem parar e busca alcançar valores cada vez mais elevados (kŗtam sampadyate caran caraivaiti). Portanto, o ser humano é quem faz a sua era.” (Ibid., p. 30, tradução minha).
[2] N.T.: a Consciência Suprema.
[3] N.T.: Essa divisão apresentada aqui pelo autor se refere em particular à dinâmica social, e especificamente à mudança da psicologia coletiva de uma dada sociedade, civilização ou grupo, conforme detalhado na teoria dos ciclos sociais, formulada pelo autor. Em seus discursos, o autor apresenta diversas ilustrações dessa teoria usando, em boa parte, fatos históricos genéricos.
Baseado nessa teoria, o autor Ravi Batra estuda a história de três diferentes civilizações em termos dos conceitos dessa teoria. Assim, no caso da civilização ocidental (situada inicialmente na Europa), e iniciando-se a análise pelo ano 1 CE, com foco no Império Romano, Batra concluiu que essa civilização passou pelas seguintes eras desde então: era kśatriya (proeminência dos imperadores romanos), era vipra (ascensão e domínio da Igreja Católica), era vaeshya (feudalismo, no final da Idade Média), era shudra (revoltas sociais e revoluções nos séculos XIV e XV), era kśatriya (domínio de diversos reis e rainhas), era vipra (preponderância do poder dos parlamentos) e era vaeshya (ascensão e domínio do sistema capitalista), que perdura até os dias atuais, nos quais se tem um período de fim dessa era e de passagem pela era shudra, marcada por grande insatisfação popular, revoltas etc. (BATRA, Ravi. The Downfall of Capitalism and Communism – Can Capitalism Be Saved? Dallas: Venus Books, 1990 (1978). 2a ed.)
[4] N.T.: Como o autor dá a entender a respeito do termo “yuga”, este termo (“yuga sandhi”) aplica-se também a outras situações, como, em particular, à transição entre períodos em que o dharma humano sofre uma decadência acentuada (períodos esses que são temporalmente mais extensos do que os do ciclo social, referido na nota anterior). Em outros discursos o autor explica que tal transição caracteriza-se pelo surgimento de uma grande personalidade (denominada Mahásambhúti) cuja missão é resgatar o dharma humano e combater a dominância do adharma. O autor fala rapidamente sobre isto ao final do presente discurso.
[5] N.T.: Expressão que tem o sentido de uma tarefa muito difícil ou arriscada. Provém de uma das fábulas de Esopo, na qual um rato propôs aos demais uma solução para o problema do gato que estava os atacando: que se pendurasse um sino no pescoço do gato, para que assim pudessem ser avisados da sua aproximação. A pergunta então feita por um rato velho foi “Quem vai colocar o sino no gato?”
[6] N.T.: Em outro discurso o autor explica:
O que é Mahásambhúti? De acordo com a lei da natureza, o movimento do mundo indo do denso para o sutil é acompanhado de choques entre o bem (shubha) e o mal (ashubha), entre kśema e akśema. Durante esse desenvolvimento, as pessoas boas às vezes ficam exaustas com o domínio dos desonestos (pápiis). Se esse período continuasse por mais algum tempo, os honestos (sádhus) seriam extintos. Se um tal estado de coisas existir no mundo, uma força especial (visheśa shakti samprayoga) deParamátman [a Alma Suprema] torna-se uma necessidade.
Nessa hora, torna-se essencial desferir um golpe contra os pecadores (pápiis). Não é possível que esse golpe seja dado pelos seres humanos (jiivas) pois eles não têm poder para isso. Nessa situação, para dar um golpe forte, torna-se inevitável uma manifestação especial conhecida como Mahásambhúti.
Cada ser unitário [jiiva] está fazendo o trabalho de Paramátman; cada um é expressão de Deus; este é o sambhúti de Paramátman. Mas para realizar um grande trabalho que não é possível ser feito através da estrutura física (adhara) dos seres humanos, surge uma manifestação especial de Deus (Ávirbháva) que é conhecida como “Mahásambhúti”.
Isto é diferente de uma encarnação (avatára). “Avatára” significa “que descende” – vir na forma de um ser unitário. Toda pessoa é um avatára de Paramátman. Vocês podem dizer que o avatára é o sambhúti de Mahásambhúti.
[...]
Todos os jiivas são sambhúti [...].
(ANANDAMURTI, Shrii Shrii. Lord Krśńa's Unique Approach. In: Discourses on the Mahábhárata. Ranchi, 22 Outubro 1967.)
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