Shrii Shrii Anandamurti
25 de julho de 1980
Udaipur, Índia
Sevá
A própria existência dos seres humanos é uma existência tríplice. O corpo de vocês, que consiste dos cinco fatores primordiais [1], é uma camada. A mente de vocês, que pode ser chamada de ser ectoplásmico de vocês, é outra camada. E então há a alma de vocês – que também é outra camada. Assim, o que quer que vocês venham a expressar estará circunscrito a esses três níveis.
Agora, vamos olhar a estrutura física ou organismo de um ser humano.
O corpo humano é uma máquina.[2] Esse organismo consiste de ossos, carne, glândulas e veias.[3] O corpo humano é realmente uma grande máquina que consiste na combinação desses elementos.
Então, trata-se de uma máquina muito boa – uma máquina de primeira categoria. O corpo humano é uma máquina classe A. Vocês não conseguirão encontrar nenhuma outra máquina como essa no mundo. A habilidade artística sutil revelada nessa máquina é algo único.
Vamos assumir que essa máquina é notável. Mas se nós não a operarmos, ou se óleo e eletricidade não forem fornecidas a ela, então qual será o resultado final? A máquina vai ficar inutilizável; ela irá enferrujar. Similarmente, se alguém dotado com um corpo humano não utilizá-lo apropriadamente, mas desperdiçar o seu tempo comendo e dormindo, então qual será o resultado final? O corpo irá enferrujar. E quando uma máquina enferruja, surgem muitos tipos de doenças.
Além disso, existe outro ponto. O corpo mecânico, com sua natureza quinquelementar, – esse corpo físico composto dos cinco elementos rudimentares – contém um certo número de veias e artérias, células nervosas e fibras nervosas, o cérebro etc. Ainda que esses [elementos] sejam densos, no mundo sutil eles estão relacionados com a mente. O que quer que a mente sinta ou expresse, tudo é realizado pelos nervos. Todos esses nervos, por sua vez, são controlados pelas glândulas mestras, subglândulas, células nervosas e pelo cérebro. Isso, entretanto, não é tudo. Todos os vrttis [propensões] da mente humana (cinquenta propensões primárias e mil propensões secundárias [4]] dependem, em suas atividades, da capacidade do corpo. Os braços e pernas precisam fazer trabalho; todas as partes do corpo devem ser utilizadas adequadamente; vocês deveriam realizar trabalho com elas, trabalho duro – isso é uma necessidade. Do contrário, a secreção hormonal das glândulas e subglândulas [endócrinas] ficará prejudicada. E a hiperatividade ou hipoatividade das propensões são causadas pela secreção hormonal. Na verdade, se a secreção não for apropriada, se ela for excessiva ou escassa, poderá haver uma reação adversa no corpo e na mente humanos. É por isso que vocês deveriam ficar atentos em cuidar para manter o corpo de vocês preparado para trabalho duro. Vocês terão de realizar trabalho com a máquina corpórea de vocês. Essa máquina deveria ser sempre mantida em perfeitas condições de funcionamento.
Nós obtivemos essa estrutura física [humana] para trabalhar, não para o descanso ininterrupto. Mas assim como se deve deixar uma máquina descansar depois de um dia de trabalho duro, também o corpo humano, quando fica exausto após um dia de trabalho duro, precisa descansar para recompôr-se e recomeçar de novo com energia renovada. É apenas por essa razão que o organismo humano precisa de descanso: não para um tempo livre prolongado, mas para que depois se possa de novo trabalhar duro. Além disso, deveria-se manter em mente que as partes mais sutis deste corpo com o qual trabalhamos – tais como as células nervosas, as glândulas e as secreções hormonais –, ainda que sejam densas, estão relacionadas ao sutil.
A mente também está intimamente ligada com essas partes. Portanto, aqueles que dizem que não há necessidade de se fazer trabalho físico e defendem que se faça apenas meditação espiritual, adorações etc. não estão certos. O que acontecerá se o corpo físico não for devidamente utilizado? O corpo irá quebrar; e por conseguinte a mente também será afetada de forma negativa. Agora há pouco eu disse que às vezes as glândulas [endócrinas] não são adequadamente exercitadas e que a secreção hormonal das glândulas e subglândulas [endócrinas] não é correta; nesse caso, que medidas deveríamos tomar?
Bem, nós vamos ter que trabalhar. As pessoas deveriam dedicar-se ao karma yoga. [5]
Por que é que se chama isso de karma yoga?
Façam com que as suas mentes fiquem saudáveis através do trabalho físico. Se vocês direcionarem a mente de vocês para Paramátmá [a Alma Suprema], ela se unificará com Paramátmá. É por isso que se denomina de karma yoga.[6] Com relação a isso as escrituras dizem: Sevayá.
Prańipátena pariprashnena sevayá.[7] Os seres humanos têm que se mover em frente sem parar. Foi indicado que a existência humana é tridimensional ou tridirecional. Por exemplo, um fazendeiro ara a terra – ele faz isso com o corpo físico denso dele. Ou, de novo, um ferreiro bate com um martelo – isso também é trabalho físico. Mas esses tipos de trabalho físico não são parte da dharma sádhaná [prática espiritual]. Somente aquele tipo particular de trabalho físico que é realizado como parte das atividades espirituais pode ser considerado como sevá – quer dizer, satisfazer Parama Puruśa [a Consciência Suprema] usando seu corpo físico para realizar serviço social.
O serviço social é possível de várias formas. Educar, dar assistência à saúde, alimentar os pobres etc. – o serviço pelo bem-estar da sociedade pode ser feito, e é feito, de todas essas formas. Utilizem o seu corpo em tais trabalhos; utilizem a sua mente; utilizem seu corpo e a sua mente ao máximo. Isto é chamado de sevá; isto é chamado de karma yoga. Atualmente temos carência desse tipo de karma yoga. Mas qual é exatamente o benefício do karma yoga? Ele irá nutrir aquela parte da sua mente que está conectada com o seu corpo. Existe um benefício duplo no karma yoga: de que desse modo não somente se presta serviço social ao mundo, mas também o seu desenvolvimento individual é promovido.
Pariprashna
A mente humana nunca pára ou fica estática. Ela sempre está envolvida em pensar numa coisa ou noutra; não é possível esvaziar a mente completamente.Sarvacintá parityágo nishcinto yoga ucyate [“Quando a mente fica completamente livre de pensamentos, quando a mente fica completamente sem pensamentos, esse estado mental é chamado de yoga”] – do ponto de vista da psicologia aplicada, essa idéia é defeituosa. A mente tem de ter ao menos algum conteúdo; sempre tem de haver uma contra-parte objetiva da mente. Então, se uma pessoa não tem a oportunidade de entrar em contato com o mundo sutil, a sua mente naturalmente irá se voltar para o mundo quinquelementar, o mundo material. Pensamentos relacionados ao mundo quinquelementar, entretanto, nem sempre são sutis ou nobres. Nesse caso, o que deveríamos fazer? Motivados por um auto-interesse medíocre, nós nos envolveremos em atividades indesejáveis, e como consequência teremos de passar por uma decadência. Por esse motivo, nossas mentes têm que ser supridas com algum pabulum [8] sutil.
Então, o que as pessoas deveriam fazer? Elas têm que se mover adiante no caminho da síntese, ao invés de no da análise. A fonte do progresso mental não está no esforço de dividir o uno em muitos, e sim em unificar muitos em um. Esse empreendimento, essa abordagem sintética, essa perspectiva integral, é chamada depariprashna nas escrituras.
Prashnas [perguntas] são de dois tipos.
Um tipo é fazer uma pergunta simplesmente para saber. Mas qual é o benefício de simplesmente perguntar para saber? Depois de muito trabalho e pesquisa, vocês ficaram sabendo que neste distrito de Udaipur existe um tal número de formigas. Mas, no fim das contas, como é que esse conhecimento pode beneficiar vocês? Existe algum benefício? Não, não existe nenhum benefício. Qual é a utilidade de as pessoas saberem o número de formigas em Udaipur? Mas, tendo utilidade ou não, certamente isso exigiu um bocado de trabalho.
Isso, entretanto, não é pariprashna. Perguntar “Quantas formigas existem em Udaipur?” apenas para saber não pode ser chamado de pariprashna. Por outro lado, se você disser: “Minha mente está muito agitada; por muito tempo eu quis praticar meditação e concentração, mas não consegui; qual é a técnica certa?” – isto épariprashna. Assim que você conseguir uma resposta a essa pergunta, você começará a trabalhar de acordo.
A Deusa do Sono
Agora que eu vejo que alguns de vocês estão ficando com sono, eu me lembro de uma história. É uma história mitológica. Ela conta que enquanto Rama e Laksmana estavam vivendo exilados na floresta, o dever de Laksmana era ficar todo o tempo vigiando – o que se chama de “dever de segurança”. Mas um dia ele foi vencido pelo sono e seus olhos se fecharam. Ele ficou furioso e, agarrando seu arco, lançou um ataque contra a deusa do sono. Ao recuar, a deusa do sono perguntou a Laksmana: “Que tipo de herói é você, apontando as suas flechas contra uma mulher indefesa? Isso vai te dar mais prestígio? Que vergonha!”
Laksman respondeu: “Eu estou há catorze anos em exílio aqui na floresta e o dever de segurança é a minha tarefa sagrada. Como é que eu posso ficar sonolento? Você pode voltar daqui a catorze anos.”
Por então a deusa do sono concordou, dizendo: “Está bem, que assim seja.”
Por fim o período de exílio de Rama e Laksmana acabou. Eles voltaram para Ayodhya. A cerimônia de coroação de Rama estava em andamento e Laksmana estava de pé ao lado de Rama, com a maior das devoções, abanando-o com um cámara [leque cerimonial]. Então, como os catorze anos estipulados chegaram ao fim, a deusa do sono novamente fez a sua aparição; e as pálpebras de Laksmana se fecharam de sono. Todas as pessoas presentes começaram a rir com essa cena. Visivelmente irritado, Laksmana bradou: “Ó deusa do sono! Você veio justo agora! Você não tem bom senso! A cerimônia de coroação de Ramchandra está acontecendo e eu fiquei confiado com uma tarefa especial – você não consegue ver isso?”
A deusa do sono argumentou: “Você mesmo me disse para vir depois de catorze anos.”
“Mas não agora”, protestou Laksmana.
Entretanto, a deusa do sono continuou insistindo: “Mas eu agora eu vim com toda minha energia. Onde é que eu posso ir agora?”
Laksmana respondeu: “Veja se você não consegue encontrar alguma pessoa pecadora que está assistindo algum discurso religioso, então vá e sente-se nas pálpebras dessa pessoa.”
De qualquer modo, no decorrer da nossa discussão sobre pariprashna, eu estava contando a vocês sobre técnicas de meditação e concentração, e como se pode fazer progresso nas práticas espirituais; essas perguntas não são perguntas sem sentido. As pessoas entram em ação de acordo com as respostas que elas encontram para essas perguntas. Isso explica por que pariprashna é uma necessidade. Ela é necessária para o desenvolvimento mental e para o progresso mental.
Prańipáta
E qual é a terceira coisa? Prańipátena pariprashnena sevayá. Pariprashna, como eu disse, é basicamente uma cultura intelectual. Assim como karma yoga é necessário para a saúde – como eu expliquei –, jiṋána yoga [9] é necessário para a realização intelectual.
Pariprashna irá melhorar a nossa cultura intelectual. Mas que tipo de conhecimento será cultivado assim? Será o tipo de conhecimento que irá ajudar vocês a avançarem no caminho do progresso. Esse conhecimento não é um conhecimento árido e seco – é um conhecimento prático. Através de pariprashna vocês gradualmente conseguirão enriquecer [seu estoque d]esse conhecimento. Vocês estão se movendo em direção a Paramátmá, movendo-se continuamente; a mente de vocês está ficando cada vez mais sutil; mas está faltando a concentração mental necessária para o progresso. É verdade que vocês estão se movendo para cada vez mais perto de Paramátmá; mas se não houver amor profundo e devoção por Paramátmá, como é que vocês conseguirão superar completamente a distância? Vocês terão de ficar a uma certa distância Dele, ou terão de interromper a jornada de vocês. Nessa situação, o que vocês deveriam fazer? A mente já ficou concentrada em certa medida através de pariprashna; agora vocês terão de fazer com que essa mente concentrada mova-se em frente até o destino final, atéParama Puruśa.
E qual é o melhor método de fazer com que a mente se mova em direção a Parama Puruśa?
O melhor método é a entrega completa a Ele [10]. Portanto, entreguem-se completamente com todas as suas capacidades e propensões perante o Ser Supremo; ofereçam o seu eu inteiro a Ele. Isto é prańipáta.
Pra – ni – pat + ghaiṋ = prańipáta. Prańipáta significa oferecer-se aos pés divinos de Parama Puruśa. Prańipáta também é conhecido como bhakti [devoção].
Ananyamamatá Viśńormamatá premasaḿgatáh – “Deveríamos nos mover adiante não em direção a objetos de apego mundano e sim em direção de Parama Puruśa, em direção de Viśńu.[11] ” Quando se conseguir estabelecer um apego completo e de todo coração por Viśńu, isso é chamado de bhakti. Bhaktir Bhagavato sevá bhaktih prema svarúpińii [“Bhakti é serviço a Deus; bhakti é a forma que o amor divino assume”]. Qual é a coisa que é da máxima necessidade para o progresso espiritual? A coisa mais importante requerida para o progresso espiritual, para a unificação do eu individual com Paramátmá, é bhakti.
Portanto, vemos que três coisas são muito preciosas na vida humana. E do que se necessita para que aconteça a unificação com Paramátmá no estágio final? Debhakti. E a respeito de karma yoga e jiṋána yoga? Elas são fases preparatórias necessárias para bhakti. Vocês têm de praticar karma yoga e jiṋána yoga. Através dessa prática vocês por fim irão se estabelecer em bhakti. Assim que vocês estiverem se estabelecido em bhakti, tudo será de vocês; vocês não terão mais nada por alcançar.
* * *
Título Original: “Prańipátena Pariprashnena Sevayá”
Fonte: Edição Eletrônica das Obras de P. R. Sarkar – versão 7.5 (em inglês).
Publicado em:
Ánanda Vacanámrtam Part 20
(Obra ainda não publicada em inglês.)
Discourses on Krśńa and the Giitá [compilação]
(Obra ainda não publicada no Brasil.)
Tradução e Notas: Mahesh – Florianópolis
(5 a 7 de março de 2013)
[1] Nota do Tradutor (N.T.): Que o autor também denomina de cinco fatores fundamentais, ou ainda cinco elementos rudimentares (como o autor falará mais adiante), a saber: os fatores etéreo, gasoso, luminoso, líquido e sólido.
[2] N.T.: Essa comparação ou identificação do corpo com uma máquina pode vir a ser interpretada de modo distinto do pretendido pelo autor – talvez especialmente quando entendida em relação a um pano de fundo filosófico de materialismo ou reducionismo, o qual certamente não corresponde à posição do autor.
[3] N.T.: Sem dúvida o autor está simplificando a exposição a respeito dos elementos componentes do corpo, provavelmente para ser didático e poder chegar mais facilmente ao ponto que visa apresentar.
[4] N.T.: Em outros discursos o autor explica que os 50 vrttis ou propensões mentais podem ser expressados com relação a cada um dos 10 órgãos sensores e motores, e que essa expressão pode ser tanto interna quanto externa, donde tem-se: 50 x 10 x 2 = 1000 propensões secundárias, controladas pelo sahasrara chakra (cujo nome deriva justamente desse número 1000).
[5] Nota do Editor da versão em inglês (N.E.): A prática espiritual que enfatiza a ação altruísta. [N.T.: Explicação originalmente entre colchetes no texto em inglês; colocada aqui como nota de rodapé.]
[6] Nota do Tradutor da versão em inglês (N.T.i).: Karma significa “ação” e yoga significa “unificação” da alma unitária com a Alma Suprema.
[7] N.T.i: [Citação do] Bhagavad Giitá.
[8] N.T.: Termo em latim que significa uma substância ou algo que alimenta e nutre. Ou seja, refere-se a um “alimento” (em sentido literal) para o corpo ou (em sentido figurado) para a mente. O termo deriva do verbo latim pascere, “alimentar”.
[9] N.E.: A prática espiritual que enfatiza a discriminação ou entendimento intelectual. [N.T.: Explicação originalmente entre colchetes no texto em inglês; colocada aqui como nota de rodapé.]
[10] N.T.: Em inglês o pronome é Him, “Ele”. Poderia ser traduzido como “Ela” tendo em vista a concordância com “a Consciência Suprema” (tradução de Parama Puruśa). Mas traduziu-se aqui como “Ele” para manter concordância com “o Ser Supremo”, que aparece logo em seguida no mesmo parágrafo.
[11] N.T.: Em outros discursos o autor explica esse termo:
“O significa derivativo de Viśńu é ‘todo-pervasivo’, i.e., a entidade que permeia tudo, desde moléculas e átomos até o grande criador Brahmá, é Viśńu.”
[“Bhakti and Krpá”, c. 1969.]
“A raiz verbal sânscrita ‘vish’ significa ‘entrar’. Parama Puruśa é chamado de Viśńu em sânscrito (viś + nu) porque Ele é a entidade que se encontra escondida em todas as outras entidades.
[...]
A entidade que permeia o universo inteiro é Viśńu. Portanto, pessoas inteligentes e ponderadas jamais odeiam objeto algum. Elas olham para todo e cada objeto como uma manifestação de Viśńu.”
[“Ideation on Brahma”, 1970.]
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