09/11/2008

UMA VIDA IDEAL

Eu já expliquei como um aspirante espiritual deve se conduzir. Um Sádhaka ou aspirante espiritual deve viver com mente corretamente ajustada ao mundo relativo. Ao mesmo tempo ele deve cumprir bem com as suas obrigações relativas ao mundo espiritual. Em outras palavras, deve existir uma abordagem subjetiva através de um ajustamento objetivo.


Os seres humanos não devem esquecer que suas vidas é um fluxo ideológico. Eles têm-se conduzido nessa direção desde a antigüidade e, no processo desse movimento, chegaram ao estágio atual da humanidade. No processo desse movimento eles tiveram que passar através de vidas de inumeráveis vermes e insetos, aves e animais etc. Eles tiveram que sofrer infindáveis provações e tribulações, inumeráveis torturas e humilhações. Tome como exemplo o caso de uma cabra. A cabra passa a sua vida comendo pasto. Um dia um açougueiro se apossa da cabra, a mata, tira sua pele e vende a carne no mercado. Talvez a cabra tivesse que passar por uma vida dolorosa como essa. Mas hoje ela esqueceu esse fato; e, assim, no processo evolutivo gradual, a antiga cabra chegou ao estágio de um ser humano. A vida humana é mais segura do que a vida animal. Um animal passa a sua vida na floresta com medo constante de outros animais poderosos. Ele vive sob a ameaça constante de que, a qualquer momento, outro animal poderoso saltará sobre ele e o matará. Muitos animais silvestres buscaram refúgio com os seres humanos somente para se livrarem dessa psicologia do medo e da falta de segurança. Os seres humanos, por sua vez, fornecem a eles pasto verde e outros tipos de ração. Mas, todo o tempo, aguardam uma oportunidade para matar o animal sob sua custódia. Esta foi a coisa principal em suas vidas. Um animal coloca total confiança nos seres humanos. Até o último momento, antes de sua morte, ele confia nos seres humanos. Mas quando os mesmos seres humanos, em que eles confiaram, se adiantam para abatê-los, eles compreendem que esses seres humanos, a quem aceitaram como amigos, não o são de forma alguma. Pelo contrário, são seus inimigos.
Por todo o tempo, os seres humanos lhes alimentou com todos os tipos de rações apenas para matá-los e, no tempo certo, ter a sua carne. Portanto, a amizade e a afeição que os humanos têm pelos animais é uma coisa puramente externa, uma coisa muito superficial. Não é um amor genuíno, uma atração genuína. Esta é a grande praga da vida animal.
Todo ser humano teve que passar por uma longa série de vida animais. Os seres humanos devem lembrar-se de que eles também tiveram que passar por inumeráveis vidas dolorosas. 
Devemos sempre nos lembrar de não sermos a causa do sofrimento e da miséria daqueles animais que buscaram a nossa proteção. Uma mulher que já sofreu bastante tortura e humilhação de seu sogro deve ser suficientemente cautelosa para que sua nora não venha a receber o mesmo tipo de tratamento severo. As pessoas devem manter uma atitude bondosa em relação aos animais domésticos. Eles devem continuar a realizar as obrigações para eles designadas no mundo e sempre permanecer cautelosos para que não venham a causar problemas e dificuldades desnecessárias aos outros. É dessa maneira que o direito especial dos seres humanos merecerá respeito na esfera mundana. Eles devem providenciar para que os seus semelhantes disponham sempre de alimento, roupa, moradia etc. “Eu não explorarei ninguém nem permitirei que ninguém me explore.” Este é o espírito inerente ao ajustamento objetivo. Em outras palavras, a pessoa deve manter relacionamento apropriado com o mundo externo e, ao mesmo tempo, deve cumprir as obrigações que lhe são atribuídas. E, enquanto mantém esse ajuste no mundo externo, ela deve seguir adiante no caminho da vida. Mas ela não deve se esquecer de que a sua existência não é somente para este mundo físico. Somente a existência animal é apenas para o mundo físico. O animal tem que continuar sua constante luta pela sobrevivência. Um animal que vive na selva está constantemente com medo dos tigres e dos leões, dos ursos e dos elefantes, dos vermes e dos insetos, das cobras e dos répteis e uma hoste de outras criaturas terríveis. Certos animais, como as cabras, as ovelhas, as vacas etc., se entregaram aos seres humanos. Outrora eles viviam com um medo constante dos seres humanos que tentavam matá-los. Naturalmente, era difícil haver qualquer segurança na vida animal. Na vida humana existe mais segurança do que na vida animal.
Agora, em relação ao ajustamento objetivo, as pessoas não devem ficar obcecadas com o fato de que elas ainda não foram capazes de construir um sistema social bem estruturado. Devemos nos esforçar, sem dúvida, para garantir as necessidades materiais relativas a alimento, roupa, moradia, tratamento médico etc. Mas tão logo uma sociedade ideal seja estabelecida, os seus membros não serão indevidamente incomodados. Na medida em que tiverem mais tempo à sua disposição, as pessoas terão maiores oportunidades para alcançar a elevação espiritual.
Com relação à abordagem subjetiva, a sua importância consiste em lentamente retirar a mente densa do mundo externo e imergi-la na mente sutil, e, então, imergir a mente sutil na consciência unitária. Finalmente, quando a mente unitária se unir à Consciência Suprema, então, os seres humanos serão considerados como os que alcançaram o Desideratum Supremo da vida. No mundo atual, os seres humanos estão externamente preocupados com o ajustamento objetivo. Eles dificilmente podem dispor de tempo livre para o seu progresso espiritual. Esta é a maior das tragédias do mundo atual. É por isso que eu os aconselho a construir uma sociedade humana sadia o mais cedo possível, para que assim cada ser humano consiga tempo suficiente e oportunidade para as práticas espirituais.
P.R. Sarkar (Patna, 02/01/1979)

09/10/2008

MEDITAÇÃO: DIRECIONANDO O FLUXO DA CONSCIÊNCIA

A meditação é geralmente considerada como uma prática em que a pessoa fica sentada calmamente, contemplando os pensamentos ou analisando os problemas pessoais. Ou ainda como um treinamento em que a mente não pensa em nada, dando a sensação de paz, devido ao alheamento dos problemas diários. Mas nenhuma dessas idéias corresponde efetivamente ao conceito iogue de meditação.

Na terminologia iogue, meditação é chamada dhyana, que literalmente significa “deixar a mente fluir”. É um estado de pura concentração, no qual a mente flui livremente em direção à Consciência Cósmica. A princípio, a pessoa que medita pode ser capaz de se concentrar por apenas alguns segundos a cada vez, mas com o esforço regular, sua habilidade para direcionar a energia mental aumenta.


Quando a meditação se torna tão profunda que todos os sentimentos de individualidade são absorvidos pelo pensamento único da Consciência Cósmica, o aspirante atinge a absorção mental total, conhecida como samadhi. Nesse estado, sente-se o êxtase da união transcendental com a Consciência Cósmica.

Os iogues referem-se a essa bem-aventurança cósmica como Anandam. Aqui, a mente é libertada de todos os apegos, submergindo na realização bem-aventurada da Consciência Universal.

As práticas de meditação do Tantra ajudam a controlar e direcionar de forma sistemática a energia mental. Para controlar a mente durante a meditação, precisamos de um ponto sobre o qual possamos nos concentrar. A mente segue sempre em direção àquilo que é agradável; portanto, através do uso do “mantra”, ou vibração sonora especial, a mente é direcionada àquilo que é mais agradável - a bem-aventurança da Consciência Cósmica. Mantra literalmente significa “aquilo que liberta a mente” – é uma palavra sobre a qual a mente se concentra durante a meditação.

Os mantras são prescritos em sânscrito – um idioma muito antigo, conhecido por sua sutileza e exatidão no significado das palavras. Foi desenvolvido há milhares de anos por iogues que se submeteram a estados de profunda intuição. Há vários tipos de mantras, tais como os mantras cantados e os mantras exclusivos para a meditação. O mantra mais efetivo para meditação é o Ista mantra (Ista significa “meta”). Este é um mantra pessoal, através do qual o aspirante identifica o próprio ser com a meta de sua meditação, a Consciência Cósmica. 

Qualidades do Ista mantra

 1. PULSANTE: O mantra é composto de duas sílabas, que podem ser entoadas de acordo com o ritmo da respiração - uma sílaba é usada na inspiração e a outra, na expiração. Dessa forma, com a ajuda do mantra, a respiração natural mantém um fluxo calmo na mente e o mantra, por sua vez, regula o ritmo da respiração. A respiração profunda e pausada acalma a pessoa, que absorve mais oxigênio, induzindo-a a praticar meditação. Já a respiração curta, rápida e irregular está relacionada com os estados mentais de agitação e excitamento.

 2. CONCENTRADOR: A imersão da mente no oceano de consciência pura é comumente entendida de forma enganosa, como se a mente se tornasse vazia. Entretanto, a mente não pode funcionar sem que ela tenha um objeto ou um pensamento. O mantra ajuda a pessoa a se fixar num ponto de focalização, desligando-a do contínuo fluxo de pensamentos e imagens mentais.

 3. IDEATIVO: Cada palavra se constitui num símbolo. Ao ser pronunciada, ela cria uma imagem mental. Por exemplo, se alguém menciona a palavra “flor”, nossas mentes criam imagens de flores. Essa associação mental é chamada de paralelismo psicofísico, pois a vibração de uma determinada forma física cria outra vibração semelhante na mente.

A afirmação de que “somos aquilo que pensamos”, neste caso, se aplica perfeitamente. As pessoas que se apegam demasiadamente a objetos materiais têm dificuldade de sintonizar-se com pensamentos expansivos e idéias magnânimas. Sua visão do mundo é geralmente limitada e egocêntrica. Por outro lado, aqueles que se preocupam com o bem-estar dos outros e se esforçam em desenvolver ideais mais profundos, mantendo pensamentos elevados, estes são os que mais facilmente conseguem a expansão mental. É mais ampla ainda a visão daqueles que refletem sobre a Consciência Infinita e vêem Sua expressão em todas as coisas. Tal associação mental é chamada de paralelismo psicoespiritual.

Para ajudar os praticantes a desenvolverem um paralelismo psicoespiritual mais profundo, o significado fundamental de todos os Ista mantras é inspirar a união do indivíduo com o Ser Infinito.

4. ENTITATIVO (VIBRAÇÃO AJUSTADA À PESSOA): A vibração sonora do mantra deve se ajustar à vibração mental do indivíduo. Normalmente, uma pessoa tem preferência por coisas que tenham uma vibração semelhante à sua vibração interior. Os povos de diferentes nações têm suas preferências em relação à música, às cores etc., de acordo com sua própria vibração mental.

Assim como um tipo de música pode acalmar uma pessoa e não representar nada para outra, os mantras pessoais também têm a propriedade de se ajustar à vibração individual.

O método de utilização do mantra é importante, pois se o mantra for utilizado sem uma preparação adequada da mente, muito de sua eficácia se perderá. A mente deve, em primeiro lugar, se libertar de tensões, apegos e distrações da vida diária e, então, se desligar dos sentidos. Somente depois de cumpridos tais requisitos, o mantra poderá atingir a sua total eficácia. Importantes processos são ensinados juntamente com o Ista Mantra. 

Mantra e kundalinii

 Além dos efeitos acima mencionados, o Ista Mantra tem ainda uma importante função: despertar a “divindade adormecida”, ou a energia espiritual latente nos seres humanos. Essa energia espiritual, conhecida como “kundalinii”, está relacionada com o despertar de diferentes centros de energia psíquica conhecidos por cakras (pronuncia-se “tchácras”, e sua explicação consta do Capítulo 8). A energia da kundalinii, quando passa através dos diferentes cakras, proporciona o controle das propriedades físicas e psíquicas que eles detêm. Controlando suas tendências, é possível desenvolver o controle total da mente, permitindo que ela atinja o estado da realização absoluta - a expressão plena da Consciência Imaculada. 

A iniciação

 A iniciação é um dos eventos mais significativos na vida do aspirante espiritual. Além de ser a ocasião em que a técnica individual de meditação é ensinada, o mais importante é que nesse momento a potencialidade espiritual latente (a kundalini) é despertada.

No Tantra, diz-se que, quando o discípulo está pronto, o Mestre aparece. Quando a pessoa desenvolve um desejo intenso pelo despertar espiritual, não é por mero acaso que ela entra em contato com o Mestre, seja em uma experiência mística com o Mestre, seja por meio do contato com alguém que o conduza ao caminho espiritual.

O processo individual de meditação e o mantra são ensinados por pessoas que receberam treinamento especializado na ciência do Tantra, baseados em instruções e recomendações do Guru, que também tratou de purificar e fortalecer a vibração dos mantras usados desde os tempos antigos. Embora o Guru não esteja presente fisicamente, é o seu poder espiritual, embutido no mantra, que proporciona o despertar espiritual.

A iniciação é o começo. Após receber os instrumentos e os mapas necessários para a jornada, o aspirante deve então seguir o caminho com sua própria força e determinação.

 

“A verdadeira educação é aquela que conduz à liberação”.

Shrii Shrii Anandamurti

 Prática regular

 Para ser efetiva, a meditação requer uma prática regular. Portanto, ao receber a iniciação, o aspirante espiritual é aconselhado a meditar duas vezes ao dia, começando com um período de 15 a 20 minutos a cada vez. Os melhores horários para a meditação são antes das refeições e durante o nascer do sol e o pôr-do-sol, pois nesses horários as vibrações da natureza são propícias para a reflexão e a prática espiritual.

A meditação feita de manhã cedo proporciona um início de dia com atitude mental positiva e ideação no Ser Infinito; a meditação da tarde ajuda a desconectar a mente das atividades normais do dia-a-dia, reconduzindo-a a um estado elevado de consciência. Com uma ideação bem direcionada, a pessoa mantém um novo padrão de comportamento, eliminando a ansiedade e o estresse emocional e conseguindo calma interior e contentamento. 

Benefícios práticos

 Os benefícios da meditação só podem ser sentidos integralmente através da experiência pessoal. Mas esforços da Ciência para compreender os estados mais elevados de consciência, durante a meditação, têm dado bons resultados. Pesquisas sobre as mudanças psicofísicas ocorridas durante a meditação permitiram sua utilização prática.

Por exemplo, comprovou-se que sua prática regular leva a redução da pressão sanguínea de pacientes com hipertensão, devido à estimulação do hipotálamo, que causa um efeito chamado “resposta de relaxamento”. A diminuição da atividade do sistema nervoso simpático durante a prática da meditação pode também ser notada ao longo do dia.

Entre outros efeitos se incluem: melhor oxigenação, o que diminui a produção de ácidos láticos e seu acúmulo nos músculos e, conseqüentemente, evitando a fadiga nos mesmos; redução significativa da pulsação cardíaca - eletrocardiogramas comprovam uma redução média de 8 batimentos por minuto; melhora da vitalidade da pele; aumento da percepção auditiva, bem como do reflexo e da coordenação motora; registros de eletroencefalogramas demonstram que o ritmo alfa aumenta sua amplitude, diminui a freqüência e atinge maiores áreas do cérebro. Esses sintomas exercem um grande efeito para o tratamento de certas doenças.

 

“As pessoas que se dedicam por completo ao pensamento do Grandioso e à inspiração do Ser Supremo são os verdadeiros heróis. Tais heróis certamente são virtuosos, somente eles podem fazer com que a história da humanidade seja levada da obscuridade para a luz.”

Shrii Shrii Ánandamúrti


A Liberação da Mente Através do Tantra Yoga - Compilação dos ensinamentos do mestre indiano Shrii Shrii Ánandamúrti (P. R. Sarkar)  

04/10/2008

TANTRA - A CIÊNCIA DA LIBERAÇÃO ESPIRITUAL

Tantra significa literalmente “aquilo que liberta da obscuridade”. Suas práticas espirituais, tendo a meditação como ponto básico, consistem no esforço para remover o véu do egocentrismo e da estreiteza mental, que inibe e impede a expressão do potencial ilimitado da mente humana. As características mais significativas do Tantra são a sua visão extremamente positiva do universo e a sua explicação abrangente sobre o mundo fenomênico, como uma expressão da Consciência Essencial e Infinita.

Com a visão de que toda existência surge da mesma Consciência Infinita, o princípio inerente ao Tantra é que cada indivíduo, ao imergir no âmago de sua consciência individual, pode vivenciar a unidade em todas as coisas e transcender o fluxo turbulento da percepção sensorial e a visão fragmentada do mundo relativo. O objetivo final do Tantra é a união com a Consciência Infinita e Não-Qualificada – um estado situado além do ego limitador e sua realidade compartimentada.

Liberação da Consciência

Vivemos num mundo de mudanças fantásticas - um mundo que dá grandes saltos no conhecimento e na compreensão da vida cotidiana. A sociedade pós-industrial é considerada como a era da informação e dos meios de comunicação, que colocam ao nosso alcance uma vasta quantidade de informação.

Enquanto nossas mentes são estimuladas pela era dourada da Ciência e as empresas se lançam na corrida desenfreada pelo domínio de mercados emergentes, a sociedade está em conflito, devido à falta de compreensão da natureza espiritual do ser humano. No corre-corre das atividades cotidianas, a harmonia e a compreensão interior são sufocadas, porque nossos sistemas nervosos ficam sobrecarregados.

À medida que a sociedade global se torna mais urbanizada, o estresse e a tensão crescem exponencialmente. As pessoas sofrem diversos impactos em todos os níveis: físico, emocional e social. A vida urbana, o foco da sociedade pós-industrial, apresenta novos e mais complexos dilemas.

Atualmente, a combinação das mais diversas pressões psicológicas e ambientais tem resultado na desintegração da personalidade, talvez a mais acentuada da história humana.

O estresse, em seu ponto máximo, criou a necessidade de se encontrar meios de alcançar a quietude interior. Psicólogos e pesquisadores da área de psicologia têm comprovado a eficácia das técnicas de meditação, que expandem a mente e reintegram a personalidade. Todavia, como veremos nos capítulos seguintes, a meditação e outras práticas tântricas constituem um sistema que não se limita em amenizar o estresse, porque visam à elevação do indivíduo a um estado de liberação da consciência.

“Devemos lembrar que as teorias não são fatores de libertação dos seres humanos. O que liberta é a elevada capacidade de manter livre e desimpedida qualquer perspectiva, grande ou pequena, de uma existência sutil - a vigorosa capacidade de conciliar a dura realidade da vida com o último estágio do mundo visionário.”

Shrii Shrii Anandamurti

Por que meditar?

Grande parte da psicoterapia moderna se baseia no conceito de que, durante a sua vida, a pessoa é condicionada por fatores ambientais e sociológicos, entre os quais se incluem os pais, os amigos, os parentes, os colegas de escola e de trabalho, todos eles impondo padrões de comportamento ao indivíduo, moldando sua personalidade. Estes condicionamentos, através de diversos processos mentais, criam tensão na psique humana, acarretando diferentes neuroses e psicoses.

Muitas terapias estão baseadas no princípio de que, ao se localizar e reconhecer a fonte de uma determinada tensão mental, esta pode ser compreendida e dissolvida; ou que, ao se reviver a situação na qual uma determinada tensão foi formada, a raiz da tensão pode ser expressada e conseqüentemente eliminada.

O tipo e a gravidade do condicionamento analisado depende de cada escola de pensamento. Por exemplo, muitas escolas acreditam que, ao nascer, o indivíduo é como uma “folha em branco”, sobre a qual todos as preferências, aversões e crenças são impressas.

Outras dizem que a origem do condicionamento e da tensão está no ventre materno e nas experiências pré-natais.

Para melhor compreendermos a meditação, uma análise do condicionamento e de seu impacto psicológico também é importante no Tantra. Mas mesmo que a visão do Tantra a respeito do condicionamento seja, em vários aspectos, semelhante à análise da psicologia moderna, a sua compreensão do grau de influência do condicionamento é significativamente diferente.

No Tantra, a análise do condicionamento leva em conta a totalidade do ser. Todas as impressões obtidas pelos sentidos e todos os pensamentos vivenciados pelo indivíduo combinam-se para moldar a identidade do ego.

Assim, num estado sem condicionamentos, a mente se liberta do ego limitador e se identifica com a Consciência Universal. A individualidade cede espaço para o sentimento de unificação com todas as coisas.

Essa reprogramação do condicionamento mental é facilitada pela meditação. No processo de identificação da mente com a Consciência Essencial – que está além da visão limitadora do ego – este é gradualmente lapidado, permitindo a revelação de uma identidade mais significativa e uma nova visão do mundo, com maior clareza e sem preconceitos.

Uma questão em aberto

Podemos colocar de lado as complexidades do condicionamento e ver de forma muito mais simples a consciência espiritual obtida com a meditação.

Durante uma reflexão profunda, às vezes nos perguntamos o que somos. Nossa mente reflete sobre a questão fundamental a respeito do significado da consciência. A sensação contemplativa de que possuímos consciência é até hoje um mistério para nós. Da mesma forma que o físico questiona a origem da matéria, a mente reflexiva analisa a origem da consciência humana.

Entretanto, raramente temos essa sensação, porque estamos envolvidos com as ocupações do dia-a-dia, com as responsabilidades profissionais e com as tarefas que visam satisfazer as carências físicas e emocionais, tanto nossas quanto de outras pessoas. Gradualmente, a inspiração da consciência se desvanece, por não lhe darmos a devida atenção.

A meditação constitui uma técnica de auto-ajuda, um momento em que podemos manter contato com nossa própria consciência. Na meditação, podemos sair da superficialidade dos pensamentos da vida cotidiana e atingir o interior de nossas mentes; e, quando retornamos à nossa existência normal, ela passa a ser interpretada de forma diferente e adquire um novo significado.

A mente meditativa interrompe o processo de extroversão e deixa de ser atraída pelo mundo fenomênico, concentrando-se na consciência e criando uma nova perspectiva de vida.

Expandido o nível de consciência

Para muitos, a realidade percebida por meio dos cinco sentidos significa tudo, ou pelo menos é tratada como se assim o fosse. Assim como uma pessoa que viveu em um único lugar por toda a sua vida pensa ser aquele o único lugar no mundo, também acreditamos que nossa limitada percepção do mundo é completa.

A ciência nos mostra quão limitados são nossos sentidos. Apenas um pequeno espectro das vibrações luminosas que circundam nossa existência diária é percebido por nossos olhos e, da mesma forma, somente uma fração das ondas sonoras é captada por nossos ouvidos. Em suma, percebemos apenas uma parte da realidade – aquela que a ciência também consegue comprovar.

O mais surpreendente ainda é que, ao analisarmos o mundo perceptível, descobrimos, no nível das partículas subatômicas, uma realidade diferente da que vemos. O que vemos como matéria sólida é, em nível subatômico, um grupo de várias partículas movendo-se em alta velocidade, em grandes espaços vazios. E, para aumentar ainda mais o dilema, os físicos atuais explicam que não podem determinar se aquilo que denominamos de “partículas” possui qualquer “substância” verdadeira. Portanto, o que pensávamos ser tangível e passível de uma definição torna-se, num outro nível de análise, incompreensível, transformando nossa concepção e entendimento em algo absurdo.

Os diferentes comprimentos de ondas atestados por instrumentos sensíveis não eram de nosso conhecimento há pouco mais de um século. A Ciência está agora descobrindo essas ondas e aprendendo a utilizar esse novo conhecimento. Fica a critério de cada um especular o que a Ciência poderá descobrir no futuro. Mas o Tantra, há milhares de anos, já reconhecia a infinidade de vibrações existentes no universo e descrevia a criação como um processo de ondas de diferentes comprimentos em movimento.

A Ciência só consegue comprovar o comprimento das ondas da matéria e da energia física, enquanto o Tantra explica também a existência da mente e da energia psíquica como manifestações em forma de ondas. Aquilo que percebemos com os sentidos e a Ciência comprova com a ajuda de instrumentos, de acordo com o Tantra, é apenas um nível da realidade relativa, ou seja, o nível mais denso. Além da realidade física, há vários níveis mentais que não podem ser explorados com o uso de instrumentos físicos ou dos sentidos, mas que podem ser compreendidos com o uso de um instrumento mais sutil: a mente. A meditação é um meio para sintonizar a mente e direcioná-la para um plano superior, retirando-a da apreciação puramente física do mundo. Poderemos, então, apreciar os reinos mais sutis da existência e reconhecer a beleza mais profunda do mundo em que vivemos.

“A espiritualidade não é um ideal utópico, mas sim uma filosofia prática que pode ser aplicada e realizada na vida cotidiana. A espiritualidade prega a evolução e a elevação ao invés da superstição e do pessimismo”.

Shrii Shrii Anandamurti

Motivação ampliada

Por ser fundamentada na busca da essência da vida humana, a meditação não possui definição única, nem as pessoas que iniciam sua prática têm apenas uma motivação. A verdadeira meditação não está limitada à motivação inicial, seja ela qual for.

À medida que, através da meditação, a mente expande seus horizontes, a consciência é despertada e as razões iniciais se dissolvem, devido à gradual expansão do sentimento espiritual. Finalmente, descobrimos que aquilo que pensávamos ser as razões pessoais para a meditação, na realidade, era um reflexo do desejo de expressão da nossa natureza espiritual.

Uma visão histórica

A meditação é uma prática espiritual que vem se desenvolvendo há milhares de anos, tendo no Tantra suas raízes mais antigas. O Tantra foi difundido pelo Senhor Shiva, mestre espiritual, que viveu há 7.000 anos, na região entre as montanhas do Himalaia e o Norte da Índia.

Mesmo naquela época remota, o Tantra já era uma ciência completa da vida, cobrindo vários aspectos do desenvolvimento pessoal e social. Tal filosofia não estava restrita à meditação subjetiva, já que se estendia aos ramos da literatura, da arte, da dança e da medicina, constituindo uma abordagem holística da vida.

Ao longo dos anos, surgiram ramificações e adaptações do Tantra, que gradualmente formaram disciplinas mais especializadas, conhecidas como diferentes ramos do Yoga.

Yoga significa “união” e se refere à união da consciência individual com a Consciência Cósmica. Vários ramos de Yoga propõem a realização dessa união cósmica enfatizando determinados aspectos do Tantra, enquanto outros igualmente importantes são deixados de lado. As formas mais conhecidas de Yoga são as mencionadas a seguir.

JINANA YOGA: Literalmente significa “Yoga do Conhecimento”, que enfatiza o estudo e a abordagem filosófica para um despertar intelectual que conduza à realização do Absoluto.

KARMA YOGA: “Yoga da Ação” consiste em realizar ações voltadas para o serviço ao próximo, fazendo com que a mente se torne desapegada de sentimentos de autoria da ação, vaidade e expectativa de resultados e os entregue à Consciência Cósmica, que habita o íntimo de todas as coisas e seres.

BHAKTI YOGA: “Yoga da Devoção” cultiva a força atrativa de um amor genuíno pela Consciência Cósmica. Conduz o aspirante ao contato profundo com o Ser Adorado, de tal forma que a realização se torne possível.

HATHA YOGA: É uma abordagem com várias prescrições para o corpo, incluindo as posturas de Yoga, exercícios de respiração e outras técnicas purificadoras. O controle e a regularização das funções corporais ajudam a adquirir domínio da mente, para assim se atingir a meta individual.

RAJA YOGA: Também conhecida como Astaunga Yoga, ou Yoga dos Oito Passos, os quais são: 1) Yama e 2)Niyama (ética iogue); 3)Posturas de Yoga; 4)Controle da energia vital através da respiração; 5)Abstração das vibrações recebidas pelos sentidos; 6) Concentração, 7) Meditação e 8)Realização da meta (samádhii). Embora esse passos do Raja Yoga tenham sido praticados por iogues desde a época de Shiva, há milhares de anos, eles só foram sistematizados como Aforismos de Yoga, por Patanjali, cerca de 2.200 anos atrás.

A divisão do Tantra em áreas diferentes e especializadas fez com que ele deixasse de ser um modo de vida efetivo e completo. Diferentes escolas, ao se concentrarem em determinadas áreas, negligenciaram a sabedoria global do Tantra.

O que é meditação?

Muitas pessoas, erroneamente, acreditam que a meditação produz resultados instantâneos: pensam que basta se sentar e aguardar que o processo funcionará como um passe de mágica, encantando o meditador e levando-o a um mundo sem pensamentos, pleno de bem-aventurança, quietude e brilho. Quando essas experiências não acontecem nas primeiras semanas de meditação, os novos praticantes crêem que estão fazendo alguma coisa errada ou que a sua técnica é ineficaz. Conseqüentemente, devido a esse entendimento errôneo, eles interrompem a prática.

O que se deve esperar das primeiras semanas de meditação? “A mente é como um macaco enlouquecido por picadas de escorpiões”, disse o grande iogue Ramakrishna, e as pessoas que começam a meditar e tentam concentrar-se sabem que isto é verdade. Principalmente no começo, a mente é insubordinada e incontrolável. Quando você se senta para meditar, muitos pensamentos surgem e sua mente vagueia, por vários motivos: sons e ruídos externos desviam sua concentração, seu corpo não fica quieto e você finalmente se levanta pensando que nada aconteceu.

Mas algo mudou! Com a prática regular você desenvolve a capacidade de manter a mente firme. Assim como o corpo de um atleta adquire grande força física e vitalidade com o treinamento diário, a pessoa que medita com dedicação desenvolve força mental e capacidade para concentrar-se. Somente com o passar do tempo é que surge o estágio em que conseguimos verdadeiramente fixar nossa mente no objeto da meditação e permanecer nele - então, a verdadeira meditação é realizada.

Outra experiência intrigante para alguns é que a mente parece até mesmo mais instável após começarem a meditar. Surgem mais pensamentos do que antes, e isto leva as pessoas a pensarem que o processo não está sendo feito corretamente. O oposto é que é a verdade. A função da meditação é trabalhar o interior da mente e eliminar todas as reações de ações passadas, registradas em nosso subconsciente. É como limpar uma casa. No meio do processo, a casa pode parecer mais suja do que no início, mas perseverando e não desistindo no meio, conseguimos limpá-la. Da mesma forma, perseverando na meditação, a mente se purifica cada vez mais.

Meditação é o esforço para controlar e desenvolver a mente, a fim de realizar a verdadeira natureza do ser humano (Dharma). É o meio através do qual podemos desenvolver todo o nosso potencial em todos os níveis da existência: físico, mental e espiritual.

“A espiritualidade provê à humanidade uma força sutil e extraordinária à qual nada se compara. Assim, adotando a espiritualidade como base, deve-se desenvolver uma filosofia racional que possa solucionar os problemas físicos, psicológicos, sociais e filosóficos da vida cotidiana.”

Shrii Shrii Anandamurti


A Liberação da Mente Através do Tantra Yoga - Compilação dos ensinamentos do mestre indiano Shrii Shrii Ánandamúrti (P. R. Sarkar) 

20/09/2008

DESENVOLVIMENTO NAS TRÊS ESFERAS DA VIDA HUMANA

            A vida humana é constituída de três camadas, em outras palavras, ela funciona em três esferas. A primeira é a esfera espiritual, a segunda a esfera psíquica e a terceira é a esfera física densa. Enquanto eu falava com alguém essa manhã, eu disse que os seres humanos removem as aflições na esfera espiritual através de seus esforços pessoais. É claro que esses esforços são complementados pelas benções de grandes personalidades e pela graça de Parama Purusá (Consciência Suprema) – “Mahat Krpayaeva Bhagavar Krpa’leshvadva’.” Os seres humanos devem fazer um esforço sincero para se desenvolver. Se, ao mesmo tempo, eles receberem a benção de grandes personalidades e um pouco da graça de Parama Purusá (Consciência Suprema), seu sucesso estará garantido. Não será necessário uma grande quantidade da graça cósmica, bastará uma quantidade mínima. Este é o segredo do sucesso na esfera espiritual. E ninguém deve se preocupar desnecessariamente em relação a isso. Ninguém deve duvidar de que Parama Purusá (Consciência Suprema) existe para promover o bem-estar de todos os seres, os microcosmos. Se a questão do bem-estar dos microcosmos não existisse, Parama Purusá (Consciência Suprema) teria permanecido como uma entidade transcendental ou Nirgun’a Brahma (Deus Imanifesto). Ele não teria descido ao nível de Sagun’a Brahma (Deus Manifestado) ou Ta’raka Brahma (Deus Libertador, a ponte entre o Imanifesto e o Manifesto).  Isto quer dizer que o Seu objetivo principal é o bem-estar coletivo, o bem-estar dos seres humanos. É por isso que ele proclamou:

 Paritra’n’a’ya Sa'dhu’na’m

Vi na’sha’ya ca Dus’krta’m

Dharmasam’stha’ Pana’rthaa’ya

Sambhava’mi Yuge Yuge.

     "Eu encarno a mim mesmo neste mundo de tempos em tempos para a proteção dos virtuosos, a destruição dos pecaminosos, e para a restauração do Dharma (a natureza espiritual humana)."- " I incarnate Myself in this world from age to age for the protection of the virtuous, the destruction of the wicked, and the restoration of Dharma."

 Agora, surge a pergunta: qual a necessidade do advento de Parama Purusá  nesta Terra, de tempos em tempos? A resposta é: Ele deseja implementar o bem-estar dos seres humanos. Bem-estar humano aqui significa, principalmente, o bem-estar na esfera espiritual e secundariamente nas esferas física e mental, já que Parama Purusá é um personificação autêntica do bem-estar supremo da humanidade. Todos os seres criados são a Sua prole. Não seria possível que Ele provesse o bem-estar apenas na esfera espiritual e não nas esferas psíquicas e físicas. De fato, Ele promove o bem-estar em todas as três esferas da vida.

            Em relação à esfera espiritual, foi dito: “Mahat Krpayaeva ‘Bhagavat Krpa’ Lesha’dva.” O quanto os seres humanos podem realizar com os seus próprios esforços? Em primeiro lugar, existe a influência de Maya - (ilusão mundana), entidade que está capacitada a criar centenas e centenas de atrações com um poder imenso. Como os seres humanos podem ser vitoriosos contra essa Maya por seus próprios esforços? É por isso que se reconhece que as bênçãos das personalidades realizadas e um pouco só da graça Cósmica são indispensáveis. Mahat significa uma grande personalidade, uma personalidade altamente desenvolvida. As bênçãos de tal pessoa são imensamente úteis e, junto com elas, é necessário um pequena porção da Graça Cósmica. Não é necessário muito, somente um pouquinho será suficiente. Na verdade, foi isso que assegurou o progresso espiritual dos seres humanos individualmente no passado, está também assegurando o mesmo no presente e continuará também fazê-lo no futuro.

            E o que dizer da esfera psíquica? É principalmente na esfera psíquica que são colhidas as conseqüências das ações originais realizadas por um ser humano. Nessa mesma esfera psíquica, se os seres humanos receberem as bênçãos de personalidades evoluídas e a Graça Cósmica, o problema estará solucionado. Não se pode escapar de sofrimentos e privações. Dependendo dos Sam’skáras inatos (comumente chamados de Karma, ou reações potencias passadas), de uma pessoa e das ações realizadas, torturas e aflições terão que ser suportadas. Mas as torturas e as aflições não serão tão severamente dolorosas quanto antes. Com a Benção e a Graça, as aflições psíquicas serão removida. Bem, se existir sofrimento e ele não for sentido como tal, então, ele poderia ser chamado de sofrimento? Neste caso, na esfera psíquica, a pessoa permanecerá no estado de graça. Que as aflições venham! Quando as aflições e os sofrimentos não são sentidos como tais, a pessoa não deve se preocupar com eles.

            E o que dizer sobre a esfera física? É verdade que na esfera física existe a necessidade externa de alimento, vestimenta, educação, moradia, tratamento médico etc. Agora, o que fez Parama Purusá para os seres criados? Ele já distribuiu os recursos pelo mundo para o consumo humano. Enormes recursos foram disseminados por todas as partes. Ele também deu intelecto aos seres humanos para que seja utilizado, para coletivamente aproveitarem todos esses recursos. Para a paz mental, Ele lhes deu instruções para que pratiquem a ciência da espiritualidade. Isto lhes proporcionará a emancipação espiritual e removerá sua aflição psíquica. De fato, essa é a Graça Cósmica, a Graça Divina que Ele já difundiu sobre a humanidade. Ele já proclamou que conferirá a Sua Graça aos seres humanos. É por isso que Ele inequivocamente declarou: “Sambhava’mi Yuge Yuge” – Eu encarno a Mim mesmo em cada era. Assim ninguém deve se preocupar sobre esse assunto.

            Agora, o problema permanece na esfera física mais densa. Em relação a essa esfera, os seres humanos foram instruídos durante a época de Shiva e durante a era do Senhor Krs’na a sempre viverem e desfrutarem os recursos coletivamente. "Deva’bha’gam Yatha’purve Sam’já’na’na’” (Assim como os deuses costumavam distribuir a riqueza entre todos, para que as desfrutassem coletiva e judiciosamente). Porém, infelizmente, os seres humanos não fizeram assim; uma vez que não o fizeram, tiveram que sofrer muitas dificuldades físicas, e, ainda hoje as sofrem. Agora, para remover seus sofrimentos na esfera física o bom senso dita que a riqueza de todo o universo deva ser considerada como um patrimônio comum. A riqueza existe para todos, para que assim todos possam viver coletivamente. Não é correto que uma pessoa arrebate as migalhas de comida da boca dos outros. Portanto, surgiu a necessidade de introduzir um sistema onde os seres humanos possam distribuir todos os recursos entre o corpo coletivo, de uma forma coletiva. Infelizmente nenhuma pessoa grandiosa fez isto antes, nem mesmo Táraka Brahma fez isto no passado. Isto não foi feito, portanto os problemas e as dificuldades da vida coletiva continuaram. Devido a essas limitações, a vida humana está cheia de sofrimentos e misérias. Agora, chegou o tempo de parar com isso. Como podemos permitir que tal coisa continue, tendo em conta que os seres humanos são predominantemente seres intelectuais? Por que deveria se permitir que uma lacuna tão grande se perpetue por dias e meses sem fim, por anos e séculos consecutivos? Não se deve permitir que tal situação continue a existir. Contudo, é estranho que essa lacuna na esfera física, com suas disparidades, seja a causa primordial de todos os problemas gerados. Devido a essa causa original, a paz na esfera psíquica está sendo constantemente perturbada. Com esse objetivo em vista, com o único objetivo de remover as misérias e as aflições físicas, tendo em vista os objetivos mais elevados da vida humana, a filosofia de PROUT[1] foi formulada. Não havia nenhuma alternativa senão propagar a filosofia de PROUT. Se isso não fosse feito, talvez os sofrimentos e as tristezas humanas se perpetuassem por séculos consecutivos. Os oportunistas mesquinhos continuariam a exploração intelectual das pessoas crédulas e inocentes. Esta exploração foi perpetrada de três maneiras principais: “opressão”, “supressão” e “exploração”. Eu não mencionei “repressão” porque a repressão está associada inseparavelmente à exploração. Agora, a questão é que toda a população do mundo tem que ser salva da opressão, da supressão e da exploração – de um modo ou de outro. Então qual será o resultado? Os sofrimentos humanos na esfera física serão superados. É claro que a falta de ajuste na esfera espiritual nunca existiu, nem nunca existirá. Os seres humanos podem ficar sossegados a esse respeito. Somente na esfera psíquica eles terão que adquirir poder. E para quê? As pessoas terão que adquirir força para superarem a aflição psíquica, que é o resultado das reações, em potencial, de ações passadas. Quer dizer, com o estabelecimento de PROUT os problemas na esfera física e na esfera espiritual serão resolvidos. É claro que, ao exaurir Samskáras ainda não expressados, a mente será afetada, porém é verdade também que os seres humanos adquirirão suficiente força para superar as aflições psíquicas. Tendo isto em mente, vocês devem construir uma nova sociedade humana o mais cedo possível. Com relação àqueles que provavelmente criarão obstáculos em seu caminho – deixe que eles o façam. Você deve lembrar-se de que aqueles que são os verdadeiros pioneiros, a verdadeira vanguarda da sociedade, sempre serão uma minoria microscópica. Porém são eles que estão destinados a ser vitoriosos. Aqueles que se opuseram, ou que se opõem no presente ou que se oporão no futuro confessarão: “Sim, agora, estamos conduzindo nosso veículo confortavelmente pela estrada desbravada no meio das florestas por aquelas pessoas de vanguarda.” Quer dizer, aqueles que, no início, desobstruírem os obstáculos mais tarde serão reconhecidos como pioneiros. O engraçado é que as pessoas não reconhecem no momento em que deveria fazê-lo. Esta é a lei natural. Além disso, vocês devem também lembrar-se da verdade simples de que, em uma selva, o número de tigres e leões é sempre pequeno. Os chacais sempre irão excedê-los em número. Na selva existe a autoridade suprema dos tigres e dos leões, e não a dos chacais. Os chacais, seguindo o seu hábito inerente, certamente uivarão e os tigres e os leões por certo não ficarão assustados. 

P.R.SARKAR (A.V.M. – Parte VI – Calcutá, 12/12/1988)

[1] N.T.: PROUT é a sigla, em inglês, da Teoria da Utilização Progressiva – uma teoria político-socioeconômica formulada para o bem-estar de todos os seres. Para um aprofundamento no assunto, leia Democracia Econômica, do mesmo autor.

06/09/2008

O ESTADO INANIMADO NA FILOSOFIA DO NEO-HUMANISMO

            O neo-humanismo abrange não apenas os seres humanos e as criaturas animadas como as plantas e os animais, mas também todas as entidades inanimadas, pois a esfera do neo-humanismo se estende até a menor partícula da matéria subatômica.

            O que é o neo-humanismo? É o humanismo explicado de uma nova forma. “Humanismo” e “Humanidade” têm sido palavras muito populares neste último século, e no seu âmbito encontram-se somente os seres humanos. Mas esta interpretação não é o suficiente – não pode saciar a sede da sociedade humana desenvolvida. Por que o amor deveria se restringir apenas aos seres humanos? Por que não deveria incluir todos os seres vivos, inclusive as plantas? Esta é a nova interpretação do humanismo – o neo-humanismo – pois no âmbito do neo-humanismo todo o mundo animado está incluído.

            Mas qual é a posição do ser inanimado no neo-humanismo? Fundamentalmente quase não há nenhuma diferença entre o mundo animado e o inanimado. Algumas pessoas explicam que quando existe movimento dentro da estrutura, ela é animada. Se for o contrário, ela é inanimada. Porém isso não é o suficiente, porque existe dinamismo dentro dos objetos tanto animados quanto inanimados.

            Outros dizem que o ser é animado quando o movimento interno dinâmico se origina na mente unitária. De outra forma ele é inanimado. Mas esta também não é uma interpretação perfeita.

            Mesmo dentro de objetos inanimados tão minúsculos quanto o átomo ou partículas menores existem partículas ainda menores que mantém a sua unidade estrutural e a sua luta contra as suas tendências fissíparas internas e externas.

            Se dessa maneira a esfera do neo-humanismo for estendida da análise extensiva para a intensiva, então, poderemos ir mais a fundo na matéria. Não apenas nas estruturas inteiras, tanto animadas como inanimadas, mas também dentro das partículas estruturais menores e mais sutis (as partículas subatômicas essenciais). E, dentro dessas partículas aglomeradas, onde o ponto é nada (nadir, em sânscrito) esse corpo estrutural é uma camada perfeita. Porém essa camada perfeita pode ser alcançada apenas teoricamente, nunca na prática.

            Portanto, no neo-humanismo o nosso movimento, o nosso progresso, deve ser não apenas extensivo – isto é, abrangendo em todo o mundo animado – mas também intensivo, um movimento interminável do mundo imperfeito do humanismo para o mundo perfeito do corpo estrutural unitário, para a fase primordial e original da perfeição.

            E, esse dia glorioso por certo chagará, dia em que o estado perfeito da estrutura, quer dizer, o estado da existência unitária dentro do mundo intra-atômico será alcançado, quando a intuição humana compreenderá que a essência do mundo subatômico é Consciência pura.

P.R.SARKAR (Abhimata, 5/95 – Ánanda Nagar, 31/05/1983)

23/08/2008

ABORDAGEM SUBJETIVA ATRAVÉS DE UM AJUSTAMENTO OBJETIVO

À proporção que a esfera do conhecimento aumenta, muitos segredos do mundo deixam de ser segredo. O Yoga é um desses segredos. É um culto, e, pela prática desse culto, a pessoa entra em contato com os fatores causais de muitos segredos. Há cerca de 7000 anos, um grande iogue, Sada’shiva, sistematizou diferentes ramos do Yoga. A sua esposa, Pa’rvatii, também era uma yoguini e, para o bem-estar de toda a sociedade humana, o Senhor Shiva e Pa’rvatii deram tudo de si para criar um culto prático. As questões formuladas por Párvatii a Shiva e as repostas dadas por Ele formam conjuntamente os Shastras. Agora, muitas questões importantes da mente humana foram feitas a Shiva. Estas perguntas, isto é, a parte que diz respeito às perguntas é conhecida como Nigama; e a parte que diz respeito às respostas, como Ágama. O nome que engloba os dois, Nigama e Ágama, é Tantra.
Uma vez Párvatii perguntou a Shiva: “Oh, Senhor! Para muitas obrigações, muitas responsabilidades existe um mínimo de qualificações prescritas; para um determinado trabalho, certas qualificações são necessárias. Assim, para alcançar a salvação, qual é a qualificação mínima?” Shiva disse que a qualificação mínima para alcançar a salvação é apenas possuir um corpo e uma mente humana. Isto é suficiente. Não há barreiras raciais, ou de cor, ou de lugar, ou barreiras de qualquer tipo. Ele disse:

“A’tmajina’namidam’ devi Param’ Moks’aaekasa’dhanam,
Sukrtaerm’navo Bhu’tva’ Jina’niice Moks’ama’pnuya’t.”
“Para alcançar a salvação é preciso conhecer a si mesmo; e, ao conhecer a si mesmo, atinge-se a salvação.”

Agora, vejamos o que é conhecimento e o que é autoconhecimento. O que é auto-realização? A mente humana possui três tipos de movimento. O primeiro é a projeção extro-interna, quer dizer, o objeto externo move-se para o âmbito interno da existência. O segundo tipo é a projeção intro-externa. Neste, o sentimento surge do âmbito interno e é expresso no mundo físico. E o terceiro é o movimento da mente em direção ao espirito.
Geralmente, “conhecer” significa a subjetivação da objetividade externa. Quando o objeto externo se unifica à porção objetiva da mente – o que ocorre na câmara objetiva da mente – chama-se a isso de conhecimento ou capacidade cognitiva. E o que é autoconhecimento ou auto-realização? Neste caso, a mente conhece o espírito, isto é o movimento da mente é em direção ao espírito. Agora, como pode a mente conhecer o espírito, quando o Espírito Supremo, o Parama Pitá, a Entidade Suprema, é a Entidade Onisciente, a única Entidade Onisciente deste mundo? O Ser Supremo, Parama Purusá, é onisciente. Ele não apenas vê o que você está contemplando e quais as ondas de pensamento de sua mente. Ele é onisciente, e você é o objeto d’Ele. Ele vê o que você faz. Ele é o sujeito, e você é o objeto. Come pode, então, a mente conhecê-Lo? Quer dizer, como pode a mente ser o sujeito e Ele o objeto? Ele vê a sua mente. Como pode a sua mente vê-lo? Como pode a sua mente aceitá-Lo como objeto e ser o sujeito? Aí está o segredo d’Ele. Qual é o segredo? Isto é, o que quer que você esteja fazendo, o que quer você esteja pensando, você deve sempre se lembrar de que suas ações, seus pensamentos estão sendo testemunhados por Ele. Se você lembrar disso, Ele permanece como o sujeito e você como o objeto.
Mas, o que acontece? Por você estar sempre pensando em Parama Purusá, Ele indiretamente também se torna o objeto, embora, na verdade, Ele seja o sujeito e você o objeto, já que Ele é a Entidade que tudo testemunha. Esta é uma política inteligente do devoto. Os devotos são muito inteligentes, não apenas inteligentes mas também muito espertos. Devido às suas mentes desenvolvidas, às suas mentes e aos seus intelectos elevados ao mais alto grau, eles trazem a Entidade Suprema para dentro da periferia de suas mentes. Portanto, o caminho da devoção ou o caminho da espiritualidade é para aqueles que são extremamente inteligentes ou espertos. Aqueles que pensam que Parama Purusá não os está vendo são os mais tolos dos tolos.
O Senhor Shiva disse que a mínima qualificação é uma mente e um corpo humanos, e com a ajuda deles qualquer um pode alcançar a salvação. As pessoas podem entrar em contato com Ele, porque é somente a mente humana que pode pensar que Parama Purusá está testemunhando todas as Suas atividades e todos os Seus pensamentos. Quando a pessoa se estabelece nessa posição, se diz que ela alcançou a salvação.
Existem tantos seres criados. Estes fatores qüinqüelementares do mundo – ar, água, terra etc. – também são criações cósmicas, porém suas mentes estão em uma condição inerte. Elas não podem funcionar independentemente. No caso dos protozoários, existe a mente, mas ela é guiada por instintos inatos. No caso das plantas, existe a mente, mas também é guiada por instintos inatos. Não há neles o pensamento independente. No caso dos animais, no caso dos metazoários, há o instinto inato, mas não o pensamento individual. Mas no caso dos metazoários desenvolvidos, dos animais desenvolvidos, existe um pouco de mente independente, e, entre estes metazoários desenvolvidos, aqueles que entram em contato com os seres humanos, como resultado de choques e coesões no mundo intelectual e na estrutura intercelular, suas mente se desenvolvem um pouco mais, como os cães, os macacos etc. Eles possuem um mente mais desenvolvida por estarem em contato íntimo com os seres humanos. Porém, no caso dos seres humanos, a mente se torna altamente desenvolvida, e, com essa mente desenvolvida, uma pessoa pode sentir que, o que quer que ela faça, o que quer que ela pense está sempre sendo testemunhada por Parama Purusá. Ninguém pode fazer nada secretamente. Agora, todas as coisas são criações do Pai Supremo, porém, na fase da introversão [Prati-Saincara
[1]], como resultado de choques e coesões, a mente se desenvolve, e o estágio do homem, dos seres humanos, é o mais desenvolvido no processo da introversão. Portanto, os seres humanos são abençoados, porque eles podem sentir o charme, o amor e a existência todo-abrangente do Senhor Supremo.
Vocês todos são seres humanos. Vocês todos são humanos dignos. Esqueçam todas as tendências fissíparas que algumas vezes funcionam dentro da mente humana. Lembrem-se: vocês são as crianças amadas de Parama Purusá, e sua Meta é Parama Purusá. O seu objetivo é a Entidade Suprema. Sua abordagem subjetiva através de um ajustamento objetivo. O movimento de vocês é em direção à Entidade Suprema. Todavia, enquanto seguem em direção à Entidade Suprema, vocês têm que fazer todas as suas atividades mundanas nas esferas sociais, econômicas e outras mais. Isto é, as suas mãos devem cuidar das obrigações mundanas, enquanto a mente deve se conduzir em direção à Entidade Suprema.
(P.R. Sarkar - A.V.M. Parte XII – Kingston, 21/09/1979)
[1] N.T.: O fluxo da Consciência Cósmica (Parama Purusá) se desenvolve em duas fases contrárias uma à outra. Na primeira fase, chamada de Saincara, também definida como fase da extroversão, a Consciência é crudificada pelo Princípio Operativo Supremo (Prakrti) até o estado sólido. Na segunda, chamada de Prati-Saincara, ou fase da introversão, a Consciência solidificada, através de choques e coesões, se desenvolve de volta ao estado original, passando pelos reinos vegetal, animal e humano, até alcançar a união com a Entidade Suprema. Este é o chamado fluxo de Bramacakra (círculo de Deus).

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